quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Jornalista não vive de louros ou Ser repórter, a forma mais divertida de se morrer pobre...

 Por Ruth Simões
 
Quando você acha que já viu de tudo na vida, ainda se surpreende. Eu tenho me surpreendido bastante nos últimos tempos. Depois de um período sabático (admito, nem tão sabático assim) involuntário, saí por aí distribuindo currículo e procurando emprego. Como boa jornalista que sou, nunca passei por essa experiência por um tempo significativo. Inclusive porque, como a maioria, sempre tive dois empregos e, se faltava um, nem tudo estava perdido. 
Bom, mas chegou o dia em que me vi sem nada para fazer. Sem contar que me vi também sem dinheiro para gastar no meu tempo livre...  Decidi ir à luta. Numa das primeiras tentativas, mandei meu currículo para cobrir férias num local onde as pessoas conhecem meu trabalho. Esperei uns dias e, sem retorno, tentei saber se a possibilidade estava aberta. Então ouvi de uma pessoa amiga, constrangida: olha, não vai dar. Eles não querem contratar repórter "sênior"!!! 


 
Ruth Simões é a da esquerda e nunca perdeu o equilíbrio nas suas décadas de vida e de profissão sempre em saltos agulhas

Será que ouvi bem?!?!?!?!? O que isso significa? Querem que me sinta velha, ou apenas querem dizer que o salário é "junior" e não seria adequado a um profissional experiente? Ou apenas acham que estou velha para trabalhar?!? Essa frase martelou minha cabeça durante dias. Me fiz mil indagações! Como você fez isso, me perguntava? Por que você deixou o tempo passar? Por que você não ficou na idade que tinha há .... 20 anos? Depois de sofrer muito e me culpar na mesma proporção, lembrei que não podia mudar isso. O jeito era continuar procurando. Bem, e se para cobrir férias eu era "senior", imagina para trabalhar... O que seria? 

A ousadia me fez ir em frente, me sentindo assim meio "Matusalém". No segundo local em que apresentei meu currículo (coincidentemente, também para cobrir férias), não disseram nada. Não manifestaram nenhum espanto. Em telefonema para o diretor, ainda arrisquei: o senhor acha que minha experiência é compatível com a vaga? Era uma forma de reforçar o que o currículo mostra: que não sou muito jovem. Claro, disse o diretor! Desliguei o telefone e dancei, cantei... Cheguei a comemorar! Me senti contratada para cobrir as benditas férias. Deus é Pai e não padrasto, pensava!!! Dias mais tarde, depois de tentar por algumas vezes falar com o tal diretor, sem conseguir, soube que já tinham contratado uma recém-formada para a vaga. Ele nem se deu ao trabalho de me atender para dizer que não queria uma repórter "sênior", essa entidade recém-criada pelo "mercado jornalístico".   

Isso, por paradoxal que seja, me curou. Resolvi achar que a idéia é pegar pessoas sem experiência para pagar salários baixos e mandar mais, sem culpa nenhuma. Neste ponto, informo que não tenho nada contra recém-formados. Por favor, não me acusem de preconceito. Aliás, aproveito o momento para abrir um parêntese explicando que, apesar de "senior" (rs), sou bem mandada como qualquer estagiário. Cumpro bem minhas funções. E obedeço tão bem quanto mando, podem acreditar.... 

Bom, estou curada. Mas continuo não querendo cobrir férias (rs). Auto-estima restabelecida, resolvi querer, isso sim, um bom emprego. Acredito que um bom jornalista "senior" traz na bagagem inúmeras qualidades e agrega valor a qualquer organização. Estou certa de que sou, hoje, uma profissional infinitamente melhor do que era 20 ou 25 anos atrás. E a maturidade não me tirou o desejo de continuar aprendendo. Nem a humildade ou a certeza de que, em jornalismo, estamos sempre recomeçando. Não importa quantas reportagens brilhantes alguém fez, o importante é continuar fazendo. Em jornalismo não se vive de louros...  

Isso é que apaixona na profissão. Por isso estou nesta enrascada. Porque sou apaixonada pelo que faço. Sei que sou jovem, tenho pique, tenho o maior gás... Ainda que me ponham o rótulo de "sênior". Precisei resolver muito bem essa questão para estar aqui, agora, escrevendo. Mas consegui. Informo que pretendo trabalhar por muito tempo ainda. A idade está, realmente, na cabeça. Reparem nas pessoas ao redor. Quantas pessoas de 50, 60 anos vocês veem com cara de 50 ou 60 anos? Só as que não trabalham.... Pretendo ir longe. Aliás, devo avisar que minha mãe tem 90 anos (faz 91 em junho) e não só está ótima, como ainda dirige o próprio carro. Se vou chegar lá assim, não sei. Mas tenho a quem puxar....
  
Nota do redatorpreferi não entrar no mérito do "será que isso acontece porque sou mulher"? Isso daria muito "pano pra manga". Optei por não falar sobre a necessidade de continuar trabalhando depois da aposentadoria. Realidade da qual nós, meros jornalistas, não escapamos. Optei ainda por não contar que "paguei a língua". 
Quando era recém-formada, achava que gravadores e entrevistas não combinavam com repórteres maduros. Achava que gente um pouquinho mais velha não devia ter que correr atrás de entrevistados. Desejava, aos 50 anos, estar aposentada e rica, quem sabe numa ilha do Pacífico. Mal sabia que fazer jornalismo é o jeito mais divertido de morrer pobre (a frase não é minha. Li no Twitter, gostei, copiei...)   

4 comentários:

  1. Sabe que hoje olho em volta e percebo que sou uma das mais velhas no meu local de trabalho. mas, olha, adooro toda a bagagem e experiencia que adquirimos ao longo dessa profissão que (assim como vc disse) só nos enriquece em experiencia. 'Din din' que é bom: nadie!
    Tvz por isso não vislumbre minha aposentadoria. mas, 'tamos aí'. 'vamu q vamu'
    ///~..~\\\

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  2. Ótimo texto. Espero que vire ficção em breve...
    Bruno

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  3. UM POUCO DO MEU VENENO:
    Olha, li o texto da Memélia antes; e depois o da Ruth Simões. Gente, ri muito de ambas. São ótimas as meninas. Profissionais porretas e pessoas de super bom coração.
    Sobre os espantos da idade, concluo que essa experiência de trocar a casca e viver passagens significativas (adolescência, formatura, casamento, etc) nos espanta mais agora; nesta etapa dos "enta" que estamos vivendo.
    E, na verdade, a gente que tá se iniciando na "arte de ser invisível", acaba se divertindo com olhar constrangido dos que ainda não chegaram aonde estamos.
    Matusaléns, terceira idade, melhor idade. Ou vintage, que seja.
    Pra mim que não aprendi esse pedaço da vida com ninguém, não há nada que nos nomeie ou descreva.
    Pois daqui, tudo o que vejo é mistério.

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  4. Já comentamos sobre vintage. É isso. Da melhor espécie e categoria. Amei seu post.

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