Mostrando postagens com marcador História do Brasil. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador História do Brasil. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O Desassombro dos Ignorantes ou A Coragem dos Ingênuos

por Laerte Rimoli

"Por que me arrasto a teus pés, por que me dou tanto assim?"


Era algum dia do primeiro semestre de 1981. 
O país estava em sobressalto com a explosão da bomba do Riocentro no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário. O sargento morreu e o capitão Wilson Luiz Chaves Machado, que estava ao seu lado num fusca, ficou gravemente ferido. Aos 25 anos, magro e de barba rala, eu era repórter da Revista Veja e cobria o Palácio do Planalto. 

O assunto mobilizou por meses a imprensa e deixou exposta a guerra fratricida entre os generais Octávio Aguiar de Medeiros, do SNI, e Golbery do Couto e Silva, do Gabinete Civil. Medeiros, linha-dura, queria por uma pedra sobre o assunto, o famoso “abafa o caso”. Golbery, que vislumbrava o fim do regime militar, desejava esclarecer o episódio. O ambiente ficou carregado em Brasília e o Palácio do Planalto pequeno para os dois generais (Golbery acabou caindo).

O presidente Figueiredo viajou para Patos, sertão paraibano. Lá fui eu. Calor senegalês.
Chegamos por volta das 15:00. Enquanto os repórteres de jornal, que cobriam o dia-
a-dia, correram ao posto dos Correios e Telégrafos, em busca de um telex (era assim
que se passava matéria naquela época, picotando uma fita frágil) fui atrás do general
Medeiros. Soube que ele estava no clube da cidade. Saltei o muro (não era muito alto) e
me materializei na frente do Chefe do SNI , do general Danilo Venturini e do secretário
particular da presidência da República, Heitor de Aquino.

Laerte e Medeiros. Charge de Tercio Rimoli

A princípio surpreso com minha abrupta aparição, Medeiros com um copo alto de
whisky (debaixo daquele solão), os indefectíveis óculos escuros dos arapongas,
de calção e sem camisa, logo relaxou e desanuviou o clima. Perguntou como
trabalhávamos, como era nossa relação com as repórteres, queria saber quem namorava
quem, confessou sua predileção por uma coleguinha, enfim, demonstrou curiosidade
sobre nossa atividade. Sentei-me no degrau da piscina, tirei os sapatos, molhei os pés
e o generalzão ficou num patamar acima. 

Quando senti que o homem tava maduro, sapequei: “Ministro, como fica o caso Riocentro? É verdade que o governo resolveu, intramuros, que o assunto morreu?” “Não gosto da expressão intramuros”, grunhiu ele. Eu troco por “a quatro paredes”. Melhor assim. “O monstro” *, como era conhecido na caserna, já não estava tão amistoso. 

Fiz outra investida e ele resmungou qualquer coisa. Aí a juventude se manifestou. Agarrei-me à perna do general e cantei: “Por que me arrasto aos seus pés, por que me dou tanto assim...”??? Ele tentava se desvencilhar. A cena, patética e inusitada, provocou risos em todos nós. Fui expulso do local e passei a ter encontros periódicos com o general no restrito quarto andar do Palácio, espaço vedado a repórteres. Frases curtas e secas que eram repassadas ao editor, o brilhante Elio Gaspari. Escute aqui Desabafo (Roberto Carlos)

Meu esforço se prestava muito mais como orientação para as matérias sobre a
briga do poder do que propriamente em declarações à Veja. Não publiquei muita coisa
(o cúmulo do antijornalismo) mas confesso: o sisudo general se divertiu bastante com
minha impertinência. E eu com a dureza forjada na caserna. Lembrarei de outras farras
que fiz com esses generais.

* Vocês se lembram que houve tempo em que acusavam os militares de comer
criancinha, neh?

terça-feira, 5 de abril de 2011

Memélia Moreira, a amiga que viveu de perto dias escuros e luminosos da História do Brasil

por Clara Favilla

No sábado, 02/04, Memélia amanheceu na minha casa de pijaminha do Garfield. Fofa! Depois de um café e conversa que duraram até a hora do almoço, saímos em busca de algum restaurante que matasse a saudade dela, que há 8 anos, casada com um americano, mora na Califórnia, entre as franjas da Minie, segundo o amigo Ascânio Seleme.

Memélia, filha e sobrinha de jornalistas e políticos maranhenses, personagens da história do Brasil, os Neiva Moreira, pai e tio, a amiga é um compêndio riquíssimo de histórias que ajudam a entender nosso País e nosso povo.

Conversamos, por exemplo, sobre o Panfleto, jornal que apoiava Jango, antes do golpe militar de 1964 e que meu pai esperava chegar nas bancas porque esgotavam-se em segundos normalmente, ou por ação da "direita retrógrada". Foram apenas sete números, durante fevereiro e março daquele fatídico ano, mas o suficiente para marcar o jornal, no qual os Neiva Moreira militavam, em objeto de estudos e teses sobre o movimento que se pretendeu nacional, o Brizolismo.
Memélia mata a saudade do Carpe diem,104 Sul
                                                          
Segundo tese de  Elenice Szatkoski , O panfleto colaborou para a construção do brizolismo, ideologia que se solidificou com a figura carismática de Leonel de Moura Brizola, apresentando um mito que se consagrou como revolucionário, defensor de  um nacionalismo acirrado, opondo-se a qualquer forma de imperialismo dominante, principalmente atacando os Estados Unidos em discursos inflamados.

A análise d o conteúdo das sete edições do Panfleto (não consegui encontrar nenhuma imagem na internet) mostra como o brizolismo resgatou a política nacionalista, populista e trabalhista de Vargas  Além de Leonel Brizola, outros intelectuais, principalmente da ala esquerda do PTB, foram colaboradores diretos nos textos do jornal. 
Mais que da feijoada, a saudade era da salada ao molho de mel e mostarda
                                                                      
Com a morte prematura do pai, Memélia teve como mentor o tio José Guimarães Neiva Moreira, nascido em Nova Iorque, Maranhão,em 1917, que , hoje,aos 93anos, vive em São Luiz. Com o tio ela viajou pelo mundo em situação de exílio ou não e conheceu personalidades políticas africanas e árabes.  Chegou a jantar com kadafi , em Nova York, a americana, não a maranhense.

É a única jornalista da família .O senso de observação agudíssimo desde criança a transformou numa memorialista de primeira, numa exímia contadora de histórias e sempre encontra ouvidos atentos. Guarda a sete chaves 80 agendas com anotações de tudo o que viveu  na companhia do tio político e como jornalista especializada em indigenismo e meioambiente.

Neiva Moreira e Brizola
Um pouco sobre o tio-herói de Memélia: "Neiva Moreira  um dos raros políticos brasileiros que marcaram sua ação tanto dentro do estado natal, o Maranhão, e do Brasil, como no exterior. Jornalista, publicista e político, Neiva teve uma atuação intensa nos países emergentes, transformando-se num dos grandes ativistas e teóricos do Terceiro Mundo, aquela parte do globo que, na época da guerra fria, pairava entre os antigos blocos Ocidental, comandado pelos Estados Unidos, e Socialista, liderado pela União Soviética.

Sua resistência à conspiração que redundou na ditadura de 1964, ao liderar a Frente Parlamentar Nacionalista na Câmara dos Deputados, a partir de 1961, o aproximou de Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul e já transformado numa grande liderança popular. Os dois passaram a percorrer o país pregando as reformas de base do presidente João Goulart e articulando as forças nacionalistas contra o golpe que se avizinhava e que acabou se efetivando em 1º de abril de 1964, pois tinha atrás de si o envolvimento da maior potência estrangeira.

Neiva Moreira foi preso e depois obrigado a exilar-se na Bolívia, de onde depois se mudou para o Uruguai, para, novamente com Brizola, organizar a resistência à ditadura, que se prolongaria por 20 anos. Foi então que entendeu que a crise brasileira jamais seria enfrentada efetivamente sem a junção dos povos oprimidos, particularmente aqueles dos países vizinhos, que sofriam as mesmas pressões que os nossos.
Neiva, ao centro, recebe Serra,em 2010. Primeiro à esquerda é Jackson Lago que faleceu ontem
                                                             
Naquela época, começavam a pipocar os movimentos de libertação dos povos africanos, depois de séculos de dominação pelas potências europeias. Neiva se transporta para Argélia, Angola, Moçambique e outras áreas conflagradas, de onde não só escreveria a crônica de sua libertação como participaria diretamente de suas lutas, angústias e glória.
Paralelamente, ele assessora os governos nacionalistas do general Alvarado, no Peru, de Perón, na Argentina, regimes que depois seriam varridos pelas ditaduras que sufocariam praticamente toda a América Latina.

Na volta ao Brasil, com a decretação da anistia, Neiva Moreira, que antes travara lutas libertárias contra as oligarquias do Maranhão, primeiro como jornalista e depois como deputado, fez questão de  retornar por São Luís, vindo do México, seu derradeiro exílio. Lá, implantou o PDT, partido que Leonel Brizola fundara ao chegar do exílio. Depois foi para o Rio de Janeiro, onde refundou os Cadernos do Terceiro Mundo, revista que lançara ainda em sua breve passagem pela Argentina e a continuara no México.

A história dos Cadernos do Terceiro Mundo, primeira publicação a tratar especificamente da questão dos países emergentes, se confunde com a própria vida atribulada de Neiva Moreira no exílio. Perseguido pelos grupos terroristas de direita que acabaram se apoderando da maioria daquelas nações, o velho maranhense às vezes era ultimado a deixar o país que lhe abrigava em 24 ou 48 horas, sob pena de ser assassinado.

Neiva Moreira foi presidente nacional do PDT, líder na Câmara por duas vezes, presidente da Comissão de Relações Exteriores e por fim tornou-se um dos principais assessores do governador do Maranhão, Jackson Lago, liderando do Palácio dos Leões a resistência à cassação de Lago, por fim consumada, em 2009, por pressões da oligarquia maranhense. (Fonte: site do PDT)

Não precisamos esperar a publicação de livros para saber histórias vividas por Memélia. Podemos  encontrá-las aqui http://memeliamoreira.com/blog1 
Segue um trecho pra vocês ficarem com água na boca. Corram lá!!!

NOITE EM CUERNAVACA

 Memélia Moreira

 Era sábado e fazia muito frio na cidade do México naquele fevereiro de 1978. Meu tio, Neiva Moreira, que ainda amargava o exílio, acordou cedo e anunciou que íamos sair antes das nove da manhã para viajar. No caminho, compramos um bolo confeitado para comemorar o aniversário de uma das figuras que mais admiro na História do Brasil, Francisco Julião, que desde sempre fez parte do meu imaginário com suas lutas pela Reforma Agrária. 
Francisco Julião,o organizador das Ligas Camponesas
                                                                  
O bolo parecia um arco-íris tantas e tão fortes eram as cores. No México, todas as cores e sentimentos são fortes. Até mesmo o dia dos mortos é comemorado com cores. O bolo seguia a tradição. Subimos e descemos montanhas num “carro de praça”, antiga denominação para táxi, ainda usado por Neiva. 

Era confortável, mas mesmo assim não consegui continuar o sono interrompido. Seria quase um sacrilégio dormir e perder todos os momentos e paisagens daquele que é um dos países mais fascinantes que conheci. E só no caminho fui informada de que seguíamos para Cuernavaca, a capital do Estado de Morelos. Clique no título para ler a íntegra.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Bisavô de Leda Flora detonou crise política no início da década de 20. Ela conta tudo!

Por Leda Flora Lemos
Rio de Janeiro, 9.10.1921. O Correio da Manhã publica fac-símile de uma carta assinada por Artur Bernardes e uma crise político-militar se instala no País. Endereçada ao senador Raul Soares, começa assim:"Estou informado do ridículo e acintoso banquete dado pelo Hermes (da Fonseca, ex-presidente), esse sargentão sem compostura, aos seus apaniguados". Ao final, dispara: "A situação não admite contemporizações, os que forem venais, que é quase a totalidade, compre-os com todos os seus bordados e galões".
                                                                 
“3-6-921
Am.º Raul Soares
Saudações afetuosas
Estou informado do ridículo e acintoso banquete dado pelo Hermes, esse sargentão sem compostura, aos seus apaniguados e de tudo que nessa orgia se passou. Espero que use com toda energia, de acordo com as minhas últimas instruções, pois essa canalha precisa de uma reprimenda para entrar na disciplina. Veja se o Epitácio mostra agora a sua apregoada energia, punindo severamente esses ousados, prendendo os que saíram da disciplina e removendo para bem longe esses Generais anarquizadores. Se o Epitácio com medo não atender, use de diplomacia que depois do meu reconhecimento ajustaremos contas.
A situação não admite contemporizações, os que forem venais que é quase a totalidade, compre-os com todos os seus bordados e galões.
Abraços do
Arthur Bernardes”

Ocioso informar sobre o abalo. A bomba explodiu na cabeça da oficialidade. O Presidente Epitácio Pessoa não disfarçou o constrangimento e os políticos exibiram apreensão. Bernardes se apressou e desmentiu a autoria, o destinatário, também, mas, no dia seguinte, nova carta. O insultado, Nilo Peçanha, "o moleque capaz de tudo", era candidato à presidência e disputaria nas urnas contra Bernardes. Um enorme escândalo. As cartas cumpriram o objetivo de indispor Bernardes com os militares.
Arthur Bernardes
                                                                     
O Clube Militar formou comissão para examinar os supostos documentos porque os primeiros peritos divergiram sobre a autoria, convocando 690 sócios para uma assembléia. Resultado: verídicas. Rui Barbosa foi chamado: falsas. A alegação mais consistente sobre a não-autoria de Bernardes estava na falta do corte da letra T, de Artur. Convocaram peritos europeus notáveis. O francês Edmond Locard atestou a veracidade; o italiano Salvatore Ottolenghi, a fraude. 
A autoria das cartas se deslocava do sim para o não. E num efeito gangorra, do não para o sim. Mesmo assim, em 10.3.1922, Bernardes foi eleito presidente numa apuração repleta de desmandos. Governou quatro anos sob estado de sítio, enfrentou o movimento dos tenentes, sobreviveu a várias crises e enfraqueceu a Velha República. De alguma maneira contribuiu para a Revolução de 30, que conduziu Getúlio Vargas ao poder com o apoio militar. Em 15 de Junho de 1922, Oldemar Lacerda e Jacinto Guimarães confessaram o crime, atribuindo a idéia ao senador Irineu Machado. Ninguém foi preso.
Ferramenta de trabalho do bisavô falsário
                                                                   
A História pára mais ou menos por aí. Não vai muito além de chamar Jacinto Guimarães, o falsário, de "modelo de crapulice". Mas eu continuo. Um talento para reproduzir caligrafias. Qualquer uma. Baiano de nascimento, confeccionou no seu "escritório" tantos diplomas que quase se transformou numa "universidade". Em sua fazenda, dinheiro entrava em carroça. Uma verdadeira caixa de Pandora. Acabou fugindo de Salvador e se instalou no Rio, dando prosseguimento às suas atividades. Certa vez, levou a neta Diva para o local de "trabalho". Mostrou uma folha branca e pincelou-a com um líquido . O papel envelheceu na hora e a menina, sete anos na época, jamais esqueceu a mágica do vovô. 
Era um homem lindo, elegante, não saía sem bengala com castão de prata. Viajava com frequência para a França, de onde também importava vestidos para a única filha, Alzira. Seus dois filhos, Jacinto e Floriano, só trabalharam depois da morte do patriarca. Adorava a política e os militares dos primeiros tempos republicanos. A mulher dele era considerada uma santa.
Quando estourou o escândalo das cartas falsas, fotos gigantes de Jacinto Guimarães sairam nos jornais, e a família, que já conhecia sustos e medo, mudou de endereço mais de uma vez. Um dia, policiais apareceram na casa da filha em busca de documentos e ela, mais rápida que o raio, escondeu papéis na roupa íntima. Mas o marido dela não deixava por menos. Nas brigas, dizia com todas as letras:" Filha de Jacinto Guimarães!" A senha da vergonha e da ofensa.
Seus nove netos trataram de esconder o que souberam já grandinhos mas, quando a linhagem de bisnetos começou, o assunto sumiu, até porque Jacinto se foi. Ninguém falava nele em família. Fotografias desapareceram. Mas como o tempo faz suas reparações, o que foi vexame, desdita e pânico virou graça muitas décadas depois. Jacinto Guimarães, afinal, entrou com a família para a História. Embora pela porta dos fundos. Lembrei-me hoje desse causo porque estamos em ano eleitoral, como em 1922, e o Brasil mudou, mas nem tanto.
Eu, menina, me apaixonei pelas assinaturas dos meus pais e, de tanto imitá-las, desenvolvi um talento para falsária. Ou melhor, para calígrafa. A bem da verdade, fui obrigada uma vez a assinar um cheque por Luciano Gomes de Lemos, o homem decisivo para me trazer ao mundo. Um problema de doença, de tudo ou nada. Mas quem puxa os seus, não degenera, diz o ditado. Afinal, a neta Diva é minha mãe, Alzira, minha avó, o marido dela, Augusto, meu avô brigão, e Jacinto Guimarães, meu bisavô sem-vergonha. Felizmente, até agora ninguém seguiu seus passos profissionais. Talvez tenha contado mais do que deveria. Mesmo assim, não consigo deixar de rir dessa árvore "genealógica." (continua)

PS. Texto original publicano no blog da autora: 
http://ledaflora.blogspot.com