sexta-feira, 22 de março de 2013

Canção do Amor Tranquilo


Canção do Amor Tranquilo

Encosto o meu rosto
No teu ombro moreno
Imensa é a solidão
Mas o mundo é pequeno
Por acaso encontrei
Mesmo em Roma ou Paris
Amigos do Brasil
Só não achei quem quis
A alma desejada
Em perfeita constância
Em anos solitários
Obsessão da infância
Aceito o destino sem queixas
Estou sereno
Encosto o meu rosto
No teu ombro moreno

Na tarde do dia 15 de outubro de 2007, perdemos um mestre de excepcional valor: o poeta, crítico literário, dramaturgo, jornalísta e professor Cassiano Nunes
"Quando pisou no aeroporto do Galeão (RJ) – vindo de Nova York –, Cassiano Nunes Botica voltava ao Brasil depois de cerca de quatro anos de estudos na Alemanha e nos Estados Unidos. Não fazia idéia de onde trabalharia. Largou o emprego de professor de literatura brasileira na Universidade de Nova York para retornar ao país natal. Ao longe, avistou o amigo que entrelaçaria sua história à de Brasília. O senhor magro, calvo, de óculos era o poeta Carlos Drummond de Andrade. Ao escutar o pedido do amigo por um emprego, Drummond pediu calma. Duas semanas depois, o escritor mineiro o indicaria para lecionar na Universidade de Brasília (UnB), no Instituto de Letras (IL). Era 1966 e Cassiano permaneceria na instituição até 1991. Passados 38 anos, o jornal UnB Notícias homenageia, na série Personalidade, o poeta, crítico, professor, ensaísta e Doutor Honoris Causa (título concedido em 2002). Ou como ele mesmo se chama – o "velho cão" do Cerrado.

Em Brasília, além da própria produção literária, Cassiano Nunes – formado em Letras Anglo-Germânicas e Contabilidade (por pressão do pai) – é referência na formação de vários poetas, entre eles João Carlos Taveira, Climério Ferreira e Gustavo Dourado. Pela contribuição para a cidade, tornou-se cidadão honorário de Brasília em 2001. "Ele sempre nos promoveu e chegou a montar exposição em Paris só com poetas brasilienses", afirma o poeta e jornalista Guido Heleno, ex-aluno de Cassiano.

Um dos maiores estudiosos da vida e da obra do escritor Monteiro Lobato, Cassiano Nunes vive em meio à biblioteca que ocupa grande parte de sua casa na 711 Sul, em Brasília. Amigo de Mário e Oswald de Andrade, Antônio Cândido e Patrícia Galvão (Pagu), ele só começou a escrever poesias depois dos 40 anos – até 2002, publicou 63 obras, entre poesias, ensaios, artigos e críticas. No último dia 4 de maio, lançou sua mais recente obra: Literatura e Vida, uma coletânea de artigos.

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Amiga de longa data, a professora da UnB Maria Jesus Evangelista, conhecida como Majú, revela como é o processo criativo de Cassiano: "Ele não faz sequer correções nos versos. A inspiração vem e o poema já sai com a cara dele". Sua poesia é adepta do estilo livre, com ritmo simples parecido com o de Manuel Bandeira. Modernista e contemporâneo, segundo Majú, seus poemas apresentam incursões pelo simbolismo impressionista. "É lírica, mas não piegas. Ele é um virtuose do verbo livre", detalha.

Fonte: Revista da UnB.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Cleusinha, fim de semana com Deus e o mundo, menos com quem ela quis

Cleusinha não gosta de passar recibo. Quando acorda triste, nada de sair de qualquer jeito. Banho demorado, perfume e café forte fazem parte de sua receita pra não sair trôpega de casa. Chefe nenhum quer, logo de manhã, nas reuniões de pauta,  zumbi, mulambo, gente de olheira sem ter lido os jornais e revistas de fim de semana.

Não é repórter, é uma faz-tudo na redação. Tipo secretária de luxo, assessora para assuntos profissionais, pessoais e aleatórios. Fala inglês, arranha francês e tem um portunhol muito eloquente que está aprumando com a cubana que começou esses dias a trabalhar na sucursal de Brasília.

Participa das reuniões de pauta, anota tudo e até dá palpites. Quando alguém quer medir a temperatura de determinado fato chama a Cleusinha. Ela comenta as roupas da Dilma, sabe que a rainha da Inglaterra foi internada com problemas estomacais, quem tá saindo com quem. Já nos primeiros capítulos diz se uma novela emplaca ou não. E avalia como ninguém os programas eleitorais. Se você não sabe, já leu muitas colunas reproduzindo comentários inteiros da Cleusinha sobre política e economia. Ela é a voz do povo que refresca certezas enferrujadas e coloca por terra, muitas vezes, trabalho de um dia ouvindo especialistas, 

Cleusinha é a memória da redação e principalmente do chefe por quem tem devoção. Sabe a senha dele no banco. Faz retiradas no caixa automático, faz pagamentos e depois dessas saídas é capaz de chegar com uma gravata nova pra ele. Bem mais bonita do que a jararaca da mulher comprou na Itália. E diz isso bem alto pra quem quiser ouvir, inclusive o chefe. 

Sabe nada de vinho. Mas o chefe só compra o que ela degusta e aprova.A boca da  Cleusinha nasceu pras delícias dessa vida. E vai logo desfilando características que deixam os entendidos de cabelos em pé e mudos. "Este vinho compra não chefe, dá  um travo no céu da boca e desce pesado. É daqueles que dão dor de cabeça. Este outro só é bom pra quem gosta de cravo, canela. E este tá parecendo a cidra que minha mãe compra pra fazer ponche" 

Mas vou parar de descrever a Cleusinha e ir ao que interessa. A fofa chegou, pela manhã, à  redação, de cara boa como sempre, mas meio borocoxô. Não trouxe pão-de-queijo pra ninguém e o pior, começou  cantarolar música da tia Rita Lee : "Kiss me baby, kiss me baby, kiss me/ Pena que você não me kiss/Não me suicidei por um triz/ Ai de mim que sou assim!" Um dos fotógrafos gritou lá do fundo redação: " Ai, ai, Cleusinha, desembucha. Diz aí o que não deu certo no fim de semana". E dela ouviu um sonoro: "Vai te catar cara!" 

 Ihhhhhh, melhor não cutucar a onça com vara curta!

Depois da reunião de pauta, com o dia já encaminhado, pausa para um café. Cleusinha chega ,me dá um beijinho na orelha e suspira. Fico logo sabendo que no fim de semana  ela encontrou Deus e o mundo. Só não encontrou quem quis. Faz uma carinha de conformação e vai cuidar da vida que não é de ficar pensando na morte da bezerra. Sai de fininho pra encurtar a conversa. 

E eu, ali esvaziando devagarinho a Xícara de café,  me lembro do poema do querido professor Cassiano Nunes: Por acaso encontrei / Mesmo em Roma ou Paris/ Amigos do Brasil / Só não achei quem quis / A alma desejada / Em perfeita constância / Em anos solitários/ Obsessão da infância / Aceito meu destino sem queixas / Estou sereno / Encosto o meu rosto / No teu ombro moreno / Imensa é a solidão / Mas o mundo é pequeno."

Essa Cleusinha é mesmo da pá virada. Me faz rir, me faz chorar. 

Mal me recupero dos versos de Cassiano e a danadinha passa por mim de novo e de novo cantarolando tia Rita Lee: "Quando eu me sinto um pouco rejeitada/ Me dá um nó na garganta / Choro até secar a alma de toda mágoa / Depois eu passo pra outra/ Como mutante/ No fundo sempre sozinho/ Seguindo o meu caminho/ Ai de mim que sou romântica!".

Faz uma paradinha e diz que vai dar uma fugida. Acabou de quebrar duas unhas. E a amiga da copa, dublê de manicure, lhe dará atendimento de urgência, na sala ao lado.