Por *Eduardo Balduino
Eu gosto muito de Brasília. Estou aqui desde 1972, mas freqüento a nova capital desde 1960 – meu pai foi da primeira turma de fiscal de Imposto de Consumo daqui. E gosto muito do Plano Piloto original, de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer; não sou daqueles que criticam o projeto só porque Brasília cresceu demais. Até porque, mesmo hoje se as pessoas, se nós, seguíssemos muito daquele planejamento, teríamos mais qualidade de vida.
Para comprovar minha tese e em homenagem aos 51 anos desta cidade de todos os brasileiros, tomo a liberdade de fingir ser o administrador de Brasília durante esses preparativos para a grande festa.
A primeira coisa que eu faria seria convidar todos para um passeio pela idéia das Unidades de Vizinhança. O conceito é perfeitamente adequado para os dias de hoje, especialmente para tirar um bom bocado de carros das vias pelo menos das asas Sul e Norte. Esse era o ideia – andar a pé na sua Unidade de Vizinhança.
Para isso, Lúcio Costa, aproveitando idéias já formuladas (**), estabeleceu as Unidades de Vizinhança de Brasília com quatro superquadras residenciais, servidas por três vias de comércio local, pelo menos uma igreja, uma escola-parque, um cinema e um clube sócio-recreativo.
Eu sempre morei na única Unidade de Vizinhança completa de Brasília, a número 1, que engloba, na Asa Sul, as SQS 105, 106, 107 e 108 e as 300 equivalentes. Aliás, ela nasceu praticamente completa, só a SQS 307 que foi construída mais tarde.
Aqui nós temos o Clube da Vizinhança, a Igrejinha, a Escola Parque 307/308. Temos as vias de comércio local 304/305; 105/106; 306/307; 107/108; e 308/309. Com padarias, farmácias, armarinhos, supermercados, açougues, bares, restaurantes. Ou seja, o básico para suprir as necessidades do dia a dia e, importante, sem precisar usar o carro, especialmente depois do advento das faixas de pedestres.
As distâncias a serem percorridas aqui vão de 500 metros a, no máximo, um quilômetro.Você vai ao Parque da Cidade e vê, todos os dias, milhares de pessoas caminhando por trechos muito mais longos. Um pouquinho só dessa saudável disposição na hora de comprar o pão, por exemplo, e já teríamos menos carros e menos poluição e menos engarrafamentos.
Ora, dirão acusando-me de utópico: hoje as vias de comércio local são segmentadas... É e não é verdade. São segmentadas sim, mas todas tem o comércio básico, além de sua especialidade. Então... Então, o problema é outro e aí viria a minha segunda, e talvez maior, ação como administrador. Eu faria uma grande campanha – seria a única despesa um pouco maior, viu governador Agnelo Queiroz – para desenvolver o bairrismo por Brasília.
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Rua da Igrejinha e entorno, em 1960, antes da inauguração da cidade |
A Rádio Nacional FM – outro motivo de orgulho nosso, pois tem, a meu ver, o melhor programa do rádio brasileiro, “Memória Musical”, de Bia Reis – já faz um excelente trabalho nesse sentido, tocando, em sua grade normal de programação, músicas de autores brasilienses e que declaram amor a Brasília – no que Rio e Bahia são exemplos emblemáticos.
O que acontece é que o brasiliense não é suficientemente barrista. Ele gosta de Brasília, mas vive fazendo a impossível comparação com as outras cidades brasileiras, onde nasceram os pais de quem já nasceu aqui. Em uma de suas acepções, bairrismo significa amor pelo bairro, é literal: amor pela sua cidade.
Só para se ter uma idéia da importância do bairrismo, a Semana de Arte Moderna de 22 nasceu de um movimento bairrista dos paulistas contra a supremacia cultural do Rio de Janeiro (***). E deu no que deu.
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Caminhos de Brasília - Entrequadras |
Não devo radicalizar, em homenagem à cidade e pelo “cargo que ocupo”. Muita gente gosta de Brasília, de sua qualidade de vida. Mas, não se preocupa em lembrar que temos a maior proporção de verde por habitante, por exemplo. Porque falta o bairrismo, que exaspera as qualidades.
Como não sou o administrador de Brasília, volto à condição de simples morador e amante desta cidade, para oferecer meu bairrismo como presente de aniversário. Até porque, se o brasiliense fosse realmente bairrista, ele ajudaria mais a resolver os diversos problemas que temos na cidade, a começar pelo número desnecessário de carros nas nossas vias.
* Jornalista, goiano. Meu pai, José Balduino de Souza, era Chefe da Casa Civil do governador José Ludovico de Almeida, de Goiás – cujo vice era Bernardo Saião –e redigiu, em 1957, o decreto de desapropriação do quadrilátero onde se fincou o Distrito Federal. Uma forte razão para eu ser um candango bairrista.
** O professor e arquiteto Vicente Quintella Barcelos, da UnB, tem um mais que aconselhável trabalho sobre as Unidades de Vizinhança.
*** A professora Maria Inez Machado Borges Pinto, da USP, em artigo para a revista História Brasileira, (número 42, de 2001) Urbes industrializada: o modernismo e a paulicéia como ícone da brasilidade, mostra como o bairrismo foi uma das forças motrizes da Semana de 22.