por Clara Favilla
Depois de assistir e ruminar sobre Meia-noite em Paris de Wood Allen, não consegui deixar de estabelecer paralelos com um dos filmes que mais amo e que não me canso de rever: O céu que nos protege, de Bertolucci. Alguns rirão do que estou dizendo. Mas, acompanhem meu raciocínio. Não é tão louco assim!
Nos dois filmes estamos falando de viagem não é mesmo? Viagem pelo mundo físico, para dentro de nós mesmos, de nossas fantasias, do nosso imaginário que só é importante nos contatos possíveis com o imaginário dos nossos semelhantes, esses seres que coabitam o Planeta Terra, tão desconhecido quanto o universo que nos rodeia. Se há mesmo um universo nos rodeando...
Pode ser tudo uma ilusão de ótica! Me perco em leituras sobre o universo: origem, formação e futuro. Uns dizem que é infinito. outros que é muito, muito menor do que imaginamos; que as bilhões de galáxias são apenas projeções infinitas sobre a tela do espaço/tempo que podemos perceber a partir das limitadas habilidades que temos e dos instrumentos que contruímos.
A Ciência não é afirmativa. Afirmações pertencem ao terreno da Fé. Aí são outros quinhentos. Em questão de fé, sou uma nulidade. Dizem que há um gene específico que define as pessoas como crédulas (no bom sentido) ou em eterna dúvida. Pertenço ao segundo grupo. Lamentavelmente. Admiro as pessoas de Fé.
Mas tenho um ponto a meu favor, acho. Entendo que a transcedência para o que for além do que somos aqui neste mundo, não se faz sobre ou sob as asas da Fé. Só desapego. Epa! tem gente que acha mais difícil desapegar-se do que ter fé no Juízo Final, Ressurreição dos Mortos, na Vida Eterna, Amém. Então deixemos essas considerações para lá. Voltemos aos filmes.
Paris e o deserto são mitos. São espaços de miragens. Por isso, o paraleo entre o filme de Wood Allen e o de Bertolucci. E em espaços assim, somos outra pessoa. Falamos diferente. Nos comunicamos diferente conosco e com quem nos é próximo ou distante. Perdemos referências e ganhamos outras.
Digo que viajar é se permitir um estado alterado de consciência que se dá como magia, sem qualquer aditivo: alcool ou qualquer outra droga. Não falo aqui de quem viaja com malas vazias e fazem roteiros de compras. Nada contra. Apenas não tenho tempo para isso quando viajo. E vou ser bem sincera: nem dinheiro.
Geralmente nem volto com a mesma mala da ida, mas com uma menor.E na bagagem de mão algum tesouro: um desenho, uma pequena escultura... Quando a viagem é longa, vou deixando roupas e sapatos pelo caminho. O sapato mais confortável do mundo pode machucar se você anda dez horas por dia. Melhor trocar de modelo de vez em quando. Se estamos no verão, é mais barato comprar uma camiseta nova do que mandar lavar a suja.
Viagens são assim. Despimos literal e metaforicamente do que somos. Nos transformamos. Não se preocupem, a rotina depois nos endurecerá de novo. A não ser que estejamos sempre em movimento, mesmo quando catatônicos, engessados pelas dificuldades diárias. Afinal, não é preciso de trem, ônibus, avião, de andar ou "fumar" pra se viajar.
Bem, o post está enorme e não fiz os paralelos que pretendia entre os filmes de Allen e do Bertolucci. Posso voltar ao assunto. Mas quero terminar lembrando Cervantes: A vida é o que se vive acordado ou o que se vive em sonho? O que é estar desperto? Ou que estar em estado de sonho? Aí a chave dos dois filmes.