segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Não, obrigado. Não tomo café!

Por Cesar Valente (texto e fotos)
Jornalista, escritor, marido, pai e avô 
Nosso enviado especial a  Aberdeen, Escócia


Não tem aquele sim que a gente diz no entusiasmo e depois, quando a ficha cai, se arrepende? Pois é. Como é que fui aceitar escrever alguma coisa para um blog que fala de café? E de veneno? Logo eu, que nunca tomo café! E que sou um pobre ingênuo incapaz de fazer mal a uma mosca, digo, a uma moça.

Comecei no jornalismo quando, para escrever profissionalmente, ainda se usava máquina de... escrever (aparelho que consiste num teclado acoplado a uma impressora de impacto, acionado mecanicamente e sem memória) e "todo mundo", nas redações, só tirava o cigarro da boca para tomar café. Muito café. Mesmo assim, nunca me deixei seduzir por esses dois hábitos, que no século passado foram tão característicos da nossa profissão.


Praga! Cafés-da-manhã empacotados

Mas, embora não fume  nem tome café, levo a sério os compromissos. E busquei ajuda para poder dar, a estas maltraçadas, algum conteúdo. A pretexto de um passeio de véspera do Valentine's Day (uma espécie de dia nos namorados muito cor de rosa pro meu gosto), saí no sábado com a Lúcia, debaixo de uma chuvinha gelada, em direção ao centro de Aberdeen.

Abre parênteses: moro em Florianópolis mas estamos, Lúcia e eu, há quase dois meses em Aberdeen, no nordeste da Escócia, para dar uma ajudinha pra nossa filha caçula (tadinha, tem "apenas" 27 anos), que mora aqui e teve nenem dia 1º de fevereiro. Alguns comentários sobre essa estadia podem ser lidos, se vocês tiverem curiosidade, em http://cartaberta.blogspot.com. Fecha parênteses.

Pra me ajudar, o café não é a bebida mais popular por aqui. Nas residências, as visitas são recebidas com chá. O café da manhã é chá. Com leite! Por falar em breakfast, em hotéis baratos, como o que estou, oferecem um "kit" com saquinho de chá, pacotinhos de Nescafé e um troço branco cujo rótulo diz, literalmente, que "tem gosto parecido com leite fresco".

Nos shoppings (que curiosamente são chamados também de shoppings, como no Brasil), pontifica o Starbucks (starbucks.co.uk). E uma rede que, apesar do sobrenome, foi criada no Reino Unido mesmo: Costa Coffee (www.costa.co.uk).

Aproveitei que a Lúcia estava distraída, procurando um estranho instrumento "para desvirar rolotê" numa enorme loja chamada Hobbycraft (www.hobbycraft.co.uk, com um andar inteiro dedicado às artes da costura) e fiquei tentando aprender com ela, que é tomadora de café e até foi fumante, um pouco mais. Vivemos juntos há 34 anos e nunca tinha me ocorrido perguntar-lhe qual é a diferença entre o café do Brasil e de outros lugares. E, caminhando num longo corredor onde estavam expostos todos os tipos de agulhas de costura existentes no mundo, ela fez uma síntese distraída da coisa.

"No Brasil, talvez por causa do calor, a gente toma mais o cafezinho e aqui, como é mais frio, tem vontade de ficar mais tempo tomando café, por isso os canecões e copos maiores". Fiquei sabendo também que o café de lojas especializadas como Starbucks e Costa não fica nada a dever aos bons cafés brasileiros. 


A editora deste blog confessa que adora "roubar! copos de cerveja , quando está em algum dos países da UK. São lindos!

Mas fora desses templos da cafeína (e, modernamente, da descafeína), a coisa aperta. Tinhamos parado, um pouco antes, num lugar simpaticíssimo, onde eu tomei um chopp Grolsch ótimo e ela tomou um macchiato (descobri hoje que se trata de espresso com leite). Que tal? "Uma droga: se o café espresso não é tirado com a água na temperatura certa, fica horrível. Tem uma ciência para operar as máquinas de expresso que nem todos  dominam. Mesmo no Brasil às vezes a gente encontra lugares com máquina de espresso que servem uma porcaria que não dá pra chamar de café".

Sempre fico impressionado, quando faço uma reportagem ou quando converso com alguém com interesses diferentes dos meus, sobre como existem mundos e submundos de conhecimento em cada área da atividade humana. Imagino que, se fosse começar a investigar o café, submergiria em alguns séculos de informação acumulada, de onde poderia nunca mais sair. Tenho um amigo que foi fazer uma matéria sobre selos e mergulhou tanto no assunto que hoje vive recluso, aprisionado por uma coleção imensa que ocupa metade de todos os espaços da casa. A outra metade é ocupada por livros e revistas especializados. E o único contato dele com o mundo é pela internet, permanentemente conectada aos leilões de selos do eBay.

Depois que a Lúcia achou o tal negócio de "desvirar rolotê", não consegui mais extrair dela nenhuma informação sobre café e cafés. Deixei-a em paz, numa loja chamada Primark (www.primark.co.uk), que vende roupas mais baratas que as da 25 de Março ou no Brás, em São Paulo, ou de Brusque, em Santa Catarina. E fui caminhar um pouco.



E aí notei uma coisa interessante: eles se preocupam muito conosco. Eles = os britânicos. Nós = os povos que fornecem o que eles consomem. Em todos os lugares a gente vê textos que asseguram que as pessoas que fabricam ou produzem aqueles bens (café, sabonete, roupas, etc) "são tratadas com decência e remuneradas adequadamente".

Claro, porque a jaqueta é feita no Vietnã, a camiseta, no Haiti, o café vem da América Central, os sabonetes, da América do Sul, muita roupa vem da Ásia. E as lojas, mortas de medo que alguém proponha algum boicote por causa do uso de mão de obra infantil ou de semi-escravos, contratam firmas de auditoria, como a Ernst & Young, para assegurarem que a turma não tem nada do que se envergonhar, ao consumir aquela coisarada estrangeira. E que, graças a esse pessoal trabalhador que fala línguas incompreensíveis e mora em países distantes, tem tanta coisa barata nas prateleiras.

Nota da editora 
Saiba o que é rolotê:
O rolotê aqui foi aplicado para funcionar como cabinhos da flor
Foto retirada do http://ascriasdaelba.blogspot.com
Viés arredondado ( se parece com um macarrão espaguete gordinho), que se coloca em redor de golas, bainhas e aberturas de roupas, para servir de acabamento ou enfeite, podendo também ser usado como alça.


Acima, um desvirador de rolotês que são feitos pelo avesso e depois puxados para o direito.

2 comentários:

  1. Seja bem-vindo, César, mesmo não tomando café...nem eu...só gosto do que o Kassati chama de meia boca e mesmo assim, uma vez ao dia. Foi um prazer ler seu post.

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  2. Obrigado pela leitura e pela acolhida. É um menino, Ruth. E agora dia 28 o Augusto, neto que mora aí em Brasília, faz um ano.

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