Por Clara Favilla
Para Ricardo e Memélia
A coruja procura abrigo. As unhas do sol já rasgam a noite. Três amigos movidos a bom café conversam na cozinha. Difícil a tarefa de se atrasar a manhã. Passou o entregador de jornais. Cantam os primeiros passarinhos. Rouxinóis? Cotovias? Piam pardais.
O papo já tava qualquer coisa e nós pra pra lá de Marraqueche. (Se eu fosse você clicaria)
Deixemos, então de manha... Sem essa aranha! Sem essa aranha!
Sem essa, aranha!
Nem a sanha arranha o carro
Nem o sarro arranha a Espanha.
Esse nosso papo acabou de trazer a manhã.
"Berro pelo aterro, pelo desterro, berro por seu berro, pelo seu erro. Sou o seu bezerro gritando mamãe" diz o amigo.
"Sou tua irmã", diz a amiga.
"Sou eu, sou você, sou ela e sou também aquela", digo na minha vez de dizer.
Esse papo tá qualquer coisa... e estamos pra lá, pra lá de Teerã...
A rota 66 nos espera. Nos reconheceremos em fantasmas dos que já se foram, no deserto de Mojave. Guardamos acalantos para que adormeçam em paz.
Olha só! Bem ali: um catavento abandonado, um carro enferrujado, um coração despedaçado, um cacto florido e é de manhã!
Foram horas, na madrugada, juntando pedrinhas coloridas do que chamamos nossas vidas. Vestígios do que fomos e de meras possibilidades jaziam espalhados, opacos no limbo da falta de lembrança. Resplandeceram, então, de mãos dadas num mosaico perfeitamente decifrável.
Estamos aqui de passagem e a leve túnica da esperança nos cobre. O cajado da amizade impede nossa queda irremediável. Pão, frutas secas, água e a sombra de misteriosos oásis nos permitem a travessia. Seguíamos a caravana e nosso coração alcançou, de repente, a estrela daquela manhã. É por manhãs assim de fugidia plenitude que respiramos.
Mais fantasmas nos visitam nessa viagem: ali nosso pai, ali amigos. Mais adiante, todos os amores que foram ou poderiam ter sido mais os poemas esquecidos.
Virgílio nos guia nessa vigília santa.
O inferno se afasta de nós e nem buscávamos o Paraíso,
nem qualquer porta para bater ou que estivesse aberta,
nem qualquer abrigo de camas de feno ou manjedouras ,
nem mesmo calor de animais amigos.
Nem vales verdejantes, nem colinas azuis distantes.
Amamos a secura do deserto.O frio e o orvalho da noite, nossos salvadores.
Palavra por palavra construímos pontes bêbadas sobre abismos.
O fio do medo nos sustenta, dele nasce nossa coragem.
O deserto é fértil: guarda sementes milenares e, quando a névoa úmida baixa, explode em cor, feito milagre.
A amiga é decifradora dos segredos das pedras, de sinais de fumaça.
O amigo sabe flutuar sobre nuvens carregadas.
Eu pergunto e aprendo.
É por ali, diz a amiga e segue a direção dos cactos.
É por ali, diz o amigo e segue a direção da chuva.
É por ali, me dizem o amigo e a amiga e sigo a direção do vento.
É por ali, por ali e por ali também. É lá, não tão perto e nem tão longe. É lá muito... muito longe.
Nos reencontraremos qualquer noite dessas e , certamente, veremos de novo as unhas do sol rasgarem a manhã.
Até o próximo café!
Pô Clara ... você conseguiu me levar às lágrimas ... lindo poema : )
ResponderExcluirBeijão
Ricardo
É o que eu digo e sonho: o amor dos e pelos amigos é o maior dos encantamentos...
ResponderExcluirbeijos,
Baduzinho
Clara querida, demais!! você consegue muito bem reportar poeticamente os momentos vividos enttre amigos!! lindo , lindo! beijos
ResponderExcluirgraça seiligman
Clara, adorei e achei emocionante. Bjs
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