por Clara Favilla
Há limites para a beleza de uma mulher? Se existem, no caso de Ava Gardner, foram quebrados. Viajei pelos olhos felinos de Ava, em A condessa descalça , que passou na noite desta quinta-feira, no TelecineCult.
Viajei tanto que a vi nadando nua, iluminada pela lua, na casa de Hemingway, em Cuba. Diz a lenda que ela e o escritor tiveram um romance. Casamentos, Ava teve três. Todos breves. O primeiro com Mickey Rooney. Sim aquele ator feio e baixinho. Depois com um músico - clarinetista - Artie Shaw, que quis fazer dela uma pessoa culta como Arthur Müller, o teatrólogo, quis fazer com La Monroe. Por último, casou-se com Fank Sinatra.
Além desses três casamentos, Ava teve um logo caso - dez anos - com aquele estranho bilionário doublê de aviador e agente secreto, Howard Hughes, acometido de esquisitices compulsivas obsessivas como as de lavar as mãos até sangrarem. Teve também caso com um toureiro famoso, Luis Dominguin. Morreu em Londres, 1990. Não teve filhos.
Dizem que A condessa descalça é quase uma biografia de Ava, que nasceu de uma família paupérrima. Só chegou a Hollywood porque seu tio, um fotógrafo, colocou na vitrine de sua loja, em Nova York, fotos da garota. Alguém de um estúdio fotográfico famoso passou por ali, viu as fotos e o resto é história. O primeiro salário de Ava foi de 50 dólares semanias.O poeta Jean Cocteau, em referência aos olhos felinos da atriz, a definiu como "o animal mais belo do mundo".
No filme, a protagonista, Maria Vargas, dança em um cabaré de Madri, mas não se socializa com os clientes nem por dinheiro. Faz suas próprias regras. Quando criança, foi explorada pela mãe que a fazia dançar pelas ruas por uns trocados dos transeuntes. Assediada por um produtor americano a procura de um novo rosto para apostar, acaba se mudando pros Estados Unidos. Sua vida amorosa é um mistério. Não se entrega a homem algum, mas tem casos secretos. Como Ava, a mãe de Maria morre quando seu primeiro trabalho é lançado.
O filme é interessante ao tentar decifrar o mistério de uma mulher a partir de vários pontos de vistas masculinos. É inovador na concepção, ao fazer a história voltar de acordo com quem a está narrando. É também interessante por começar pelo fim: o enterro da protagonista, que só se sentia segura em vida, quando descalça com os pés em contato com a terra, a sujeira. Morta, todo o seu corpo, barro que é, à terra retornará.
No filme, há a mobilidade psicológica representada pelos vários pontos de vistas que sequer chegam a arranhar o mistério da protagonista. E também a mobilidade física: a história acontece em locais diferentes: Hollywood, Madri, Nice, Mônaco e a Villa do Conde Vincenzo Torlato-Favrini (Rossano Brazzi) que se casou com Maria. Daí o título de condessa que vai pro epitáfio da protagonista. A escultura de mármore, para a qual a condessa posou descalça, viaja da Villa onde viveu seu conto de fadas e tragédia para o cemitério. Ali, sua beleza que seria efêmera se continuasse viva, continuará reinando como arte.
Bem, enquanto via o filme meu pensamento descambou para analogias bastantes apropriadas e outras bem viajandonas. Maria gostava de andar descalça, um jeito poetico de se começar a ver, imaginar uma mulher nua. Ava gostava de nadar nua. Não só de nadar, mas de andar nua pela casa e pelos jardins da casa de Hemingway, que conheci quando estive em Cuba, em 1996, com minhas amigas, também jornalistas, Rosalva Nunes e Liliana Lavoratti. Enquanto eu via a Villa do nobre italiano, no filme, também me via andando pelos jardins da casa de Hemingway.
Em certos momentos, eu não não só via o filme como produzia mentalmente um outro com tudo o que eu sabia do escritor e da atriz. Somos os lugares que habitamos, que conhecemos, que visitamos acordados e revisitamos em sonhos. Somos as viagens que fazemos. Somos as pessoas que amamos.
Em Madri, Maria era uma dançarina. Em Hollywood, uma atriz. Em Mônaco, uma mulher frívola e ladra. Na Villa de seu problemático marido, que lhe apareceu tal o princípe de um conto de fada: uma condessa. Ava, a atriz, movimentou-se entre cenários reais e fictícios e amou homens dos mais diferentes ofícios: ator, músico, escritor, aviador/agente secreto, toureiro.
Hemingwy era jornalista. Cobriu a guerra civil espanhola e escreveu Por quem os sinos dobram. Depois, de viver na cidade dos cabarés e cafés escreveu Paris é uma festa. Em Havana, escreveu O velho e o Mar. Morou em Cuba por mais de duas décadas e só deixou a ilha em 1960, depois que Fidel assumiu o poder, por pressão, dizem, do governo americano.
A casa de Hemingway eu já conheço. Vou agora procurar a Villa do Conde Torlato-Favrini .No filme, é dito, que fica perto de Rapallo, uma cidade litorânea. Eu conheço Rapallo. Não custa tentar. Mesmo que a Villa do filme tenha sido um cenário pintado, a real certamente estará por lá. Ou melhor, várias delas.
Em Paris fui andar por Passy, onde encontra-se o prédio do apartamento, aquele do Ultimo Tango, o de Bertolucci com Marlon Brando. Fui de metrô, pela estação de Cambronne. Neste trecho, o metrô é aéreo. Passa sobre e não sob o Sena. À direita de quem vai em direção ao Trocadero, La Eiffel. Voltei a pé. Quando passava pela Pont de Bir-Hakeim, fui perseguida por um negão de terno claro, chapéu Panamá e inacreditáveis sapatos ... vermelhos. Tive que correr e, para despistá-lo, refugiei-me num restaurante. Mas esse já é outra filme, outra história... Outro devaneio.
Adoro quando você fala sobre cinema e a vida dos atores. Ava Gardner, além de ótima atriz era mesmo de uma beleza incomparável.
ResponderExcluirMe senti revendo o filme.
Seu post é ótimo e o título, como sempre, um escândalo de bom.
O post é poesia de uma vida. Falta a autora, agora, por os pés descalços no chão e embarcar, não para um ilha, mas para as montanhas, com um cajado, mochila, sal e água. Depois de Cuzco, os salares, Atacama, o Pacífico. Quando voltar criar a ponte dessa ilha interior para o grande continente que é a autora desa poesia de vida.
ResponderExcluirAmei. E me emocionei.
Memélia
Tudo que você escreve é muito bonito e poético. Adorei saber mais sobre o filme, Ava e suas andanças.
ResponderExcluirConheço o filme e gostei muito dos seus devaneios. Estou acompanhando o blog. Leio tudo.
ResponderExcluirComo se dizia no meu tempo, "desbundante".
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