Mulheres ditas informadas que optam pelo uso da burca deveriam renunciar a qualquer vida – ou pronunciamento – público.
Antonio Cícero |
Creio haver basicamente cinco tipos de mulheres que usam a burca.
O primeiro é o das mulheres que são simplesmente obrigadas a fazê-lo pelas suas famílias.
O segundo é o das mulheres que acham natural serem submetidas a
semelhante sistema cultural. Foram convencidas disso exatamente por
ignorância: por nada terem aprendido, fora técnicas domésticas e
preconceitos de origem religiosa e cultural. Não conhecendo
alternativas, é por ausência de liberdade, não por liberdade, que elas
querem usar a burca.
O terceiro, que em grande parte coincide com o segundo, é o das mulheres
que optam pela escravidão ou pela eterna minoridade, de modo a escapar
das responsabilidades que advêm da liberdade.
O quarto é o das mulheres que, jamais tendo sido obrigadas a usar a
burca, decidem fazê-lo para afirmar sua identidade cultural e religiosa
islâmica. Isso ocorre principalmente entre mulheres muçulmanas que vivem
no Ocidente, inclusive entre mulheres que, não tendo origem muçulmana,
converteram-se ao islã. A maior parte das fundamentalistas é composta de
tais mulheres.
O quinto é o das mulheres que usam a burca idiossincraticamente, sem
terem nenhum compromisso cultural com o que ela representa, por mero
capricho ou moda.
Veja bem: penso ser evidente que a imensa maioria das mulheres que usam a
burca pertence ao primeiro, ao segundo e ao terceiro grupo. São as
mulheres que por diferentes razões são, voluntária ou involuntariamente,
escravizadas pelos seus pais, irmãos e/ou maridos.
A função da proibição da burca é fazer com que, por motivos práticos,
(1) os maridos dessas mulheres deixem de impor seu uso a elas; (2) essas
mulheres mesmas deixem de considerar natural o uso da burca, e,
consequentemente, sejam capazes de abandoná-la, (3) fazer com que cada
uma delas assuma uma personalidade pública, inclusive as
responsabilidades e liberdades que fazem parte de tal personalidade.
É verdade que a proibição significa também impedir o exercício da
liberdade de usar a burca pelas mulheres do quarto e do quinto grupo.
Entretanto, não só elas são muito poucas, em comparação com as dos
primeiros grupos, como, no que toca às do quarto grupo, há algo de
espúrio em sua adoção da burca. Por que? Porque, segundo a formulação
usada por você, trata-se de mulheres que decidiram fazê-lo “de modo
livre e informado”. Nesse caso, elas devem saber que a burca faz parte
do sistema cultural que descrevi acima: e que, segundo esse sistema, as
mulheres não devem ser livres nem informadas. Se quisessem realmente
afirmar a identidade cultural e religiosa islâmica, deveriam também,
abandonando seus empregos, já que são mulheres, encerrarem-se no lar,
deveriam se restringir a ler o Alcorão, deveriam apoiar a adoção da “lei
islâmica” ou charia (que despreza os direitos humanos) e deveriam
renunciar a qualquer vida – ou pronunciamento – público.
Quanto ao quinto grupo, que usa a burca por mero capricho ou moda, penso
que a perda de liberdade que sofrem ao ter que abdicar do seu uso não é
nem de longe comparável com a escravidão sofrida pelas mulheres que são
obrigadas a usar a burca.
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