terça-feira, 13 de dezembro de 2011

La Peau Douce ... Nas asas da Panair

 por Clara Favilla

É início de tarde, terça-feira, 13 de dezembro. Míriam Leitão lembrou no twitter que há 43 anos, nesse mesmo dia, militares e ministros civis como Antonio Delfim Neto, assinaram o Ato Institucional número 05 (AI 5), declarando o fim do Estado de Direito no Brasil. Eu tinha 18 anos. Só dois anos depois eu estudaria na Universidade e Brasília 


Tenho muito o que fazer ultimamente e de dez coisas, acabo fazendo, por dia, duas de uma lista já em decomposição, Outras simplesmente vão acontecendo, aumentando a lista de pendências. Na lista de coisas chatas: contas a pagar, e-mails importantes não respondidos,  um trabalho de edição a finalizar e o pior: entrar no site da Receita e parcelar impostos em atraso. 

Também tem o trabalho de arrumação do escritório em andamento. Resolvi encaminhar para a reciclagem centenas de revistas que colecionei nos últimos anos. Ocuparam duas grandes caixas de papelão. Uma já foi despachada. Outra está no ponto de ser fechada. Todo trabalho pesado emocionalmente, e o de me organizar certamente é um deles, me (nos) deixa à beira de uma ataque de nervos. E foi assim que passei a manhã. Me livrando de parte do conteúdo das minhas estantes.


Cansada, resolvi dar uma parada depois do almoço.  Liguei a TV e um filme começava. Em preto e branco. Telecine Cult. E fui aos poucos reconhecendo aquela  história, que de início, me pareceu banal. A de um homem casado que numa viagem de trabalho se encanta por uma aeromoça. Prestava atenção com meus olhos de jornalistas e já fazendo reportagem. Começaria assim: É possível se reconhecer,  em filmes antigos, a Paris de hoje. Uma das  cenas se passa exatamente em determinado ângulo da Place de la Bastille. Depois aparece um aeroporto, o de Orly, o mais importante de Paris na época. O estacionamento em frente, está cheio de vagas. Impossível um filme atual em que o personagem chega e estaciona tranquilamente bem em frente à área de embarque. O avião é da Panair do Brasil.

Levei um susto imenso nas asas da Panair
Descobri que as coisas mudam 
e que tudo é pequeno nas asas da Panair
A primeira Coca- Cola foi me lembro bem agora
Nas asas da Panair
A maior das maravilhas foi voando sobre o mundo
nas asas da Panair


Logo em seguida, paro de fazer reportagem. Mergulho mais profundamente na sequência de imagens. Acontecem em um ritmo mais lento. Me parecem tão belas, tão íntimas, tão ternas que, de repente, eu estava de celular em punho fotografando a tela da TV. 

Qual o espanto?  É um filme de Truffaut (1964). Naquele ano, eu estava concluindo o Ensino Fundamental. Amaria Truffaut só anos mais tarde. E até hoje seus filmes me levam, invariavelmente, às lágrimas.  Chorei de soluçar, enquanto almoçava em um restaurante de Brasília, e uma amiga resolveu me contar a história de 'A mulher ao Lado', lançado em 1981. Já estávamos em 1984 e  eu não o havia assistido. A expressão "Nem juntos, nem separados", define o filme que acaba em tragédia.
 
Não vou escrever sobre o filme  de hoje, La Peau Douce.  Achei, via Google, o texto que vai abaixo no site http://cineweb.com.br . É de Neusa Barbosa. Tem muitas informações sobre o filme e sobre o processo criativo de Truffaut.

"Uma única cena define o espírito de Um Só Pecado: um homem casado, de meia-idade (Jean Desailly), tira as meias de sua jovem amante (Françoise Dorléac), acariciando suavemente sua pele doce, remetendo ao nome original francês (La Peau Douce). Esta seqüência, ao mesmo tempo de um erotismo e de uma delicadeza raras, revela melhor do que nenhuma outra a força do desejo que move a história.
François Truffaut, o diretor e roteirista, sabia bem do que estava falando. Afinal, este seu quinto filme era altamente autobiográfico, como praticamente todos os demais, aliás. Vivia uma crise em seu casamento, tinha tido um caso com uma aeromoça e, como o protagonista, saíra para comprar meias de seda para a amante. Cenas da vida do casal em crise foram filmadas no próprio apartamento em que Truffaut morava com a mulher, Madeleine, e suas duas filhas, em Paris.

Um Só Pecado é a autópsia do casal, um filme incrivelmente deprimente, sem saída, sem solução", definiu ele numa citação de sua esplêndida biografia, François Truffaut, escrita por Antoine de Baecque e Serge Toubiana. Nada mais exato do que essa descrição: pouco depois da estréia do filme, que concorreu no Festival de Cannes em 64 e foi mal recebido pela crítica francesa, ele e a mulher divorciaram-se. Um Só Pecado é, portanto, retrato de uma intimidade que Truffaut não hesitou em dividir com o público, da mesma forma que expôs os traumas de sua adolescência complicada na série de filmes com o personagem Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud, que aqui funciona como seu assistente de direção).

Visto apressadamente, o filme pode parecer um retrato banal da crise de um casamento. A primeira armadilha, no caso, é deixar-se enganar por essa aparente simplicidade. O diretor fez aqui o que sabia melhor - traçou um painel intenso dos sentimentos humanos, com uma impecável economia de imagens e palavras. Nada sobra, nada falta nas obras desse cineasta, um esteta que dominava o segredo de não enfadar o público nunca estendendo-se além da medida.

O marido da história é Pierre Lachenay (o ator de teatro Jean Desailly), diretor de uma pequena mas prestigiada revista literária. Casado com Franca (Nelly Benedetti), tem uma filha pequena, Sabine (Sabine Haudepin, vista em outro filme do diretor, Jules e Jim). Com uma vida tranqüila, acomodada, Lachenay viaja bastante, realizando conferências. Numa delas, conhece uma jovem aeromoça, Nicole (Françoise Dorléac, bela e talentosa irmã mais velha de Catherine Deneuve, que morreu num acidente em 1967, aos 25 anos).

A partir desse encontro, tudo na vida do jornalista é turbilhão. Lachenay vive afobado, correndo, mentindo para encontrar a jovem, que também leva uma vida itinerante. As diferenças entre os dois serão expostas numa viagem a Reims, onde ele deve fazer uma conferência, e ela o acompanha. Os planos dele, de desembaraçar-se rapidamente do compromisso profissional para ficar com a moça, são desafiados por uma extensa agenda social, armada por um colega de juventude (Daniel Ceccaldi), disposto a impressionar a sonolenta sociedade provinciana às custas do visitante. Colocada na posição clandestina de amante que deve esconder-se, a moça ameaça ir embora.

Outro segredo de Truffaut ao contar esse tipo de história é jamais resvalar para qualquer sinal de vulgaridade, nunca aumentando a temperatura das emoções mais do que precisa para descrever uma situação. Assim, mesmo uma personagem exacerbada como a mulher traída nunca perde a estatura humana, por mais radical que seja a solução que ela encontra para seu próprio drama.


Além de sua própria biografia, Truffaut também gostava de colecionar recortes de jornal, impregnando ainda mais de realidade os seus roteiros. Aqui, recheou a história com detalhes tirados de dois famosos crimes pós-adultério, o caso Jaccoud, ocorrido em Genebra nos anos 50, e o caso de Nicole Gérard, na França, em 63 - de onde ele tirou a situação no restaurante com o fuzil de caça.

Outra curiosidade está no próprio nome do protagonista, Lachenay, que era o sobrenome do melhor amigo do diretor na vida real, Robert Lachenay, que apresentou Truffaut à obra de Balzac, objeto da primeira conferência do personagem no filme.

Dizer que já não se fazem mais cineastas como François Truffaut pode parecer saudosismo, mas é a mais pura verdade. E, como a maioria de seus filmes sequer existe em vídeo, muitos fãs mais jovens de cinema nem mesmo têm a oportunidade de conhecê-lo, fora das mostras e relançamentos especiais, como é o caso deste, e que deve ser ainda mais comemorado por ser em cópia nova.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Guerras Desconhecidas do Brasil (Estadão) ganha Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo

 Por Leonêncio Nossa 

O caderno especial “Guerras Desconhecidas do Brasil”, do Estadão, venceu o Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo (Categoria Especial - resgate Histórico), que vem sendo concedido desde 1984 pelo Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Rio Grande do Sul e Ordem dos Advogados do Brasil.


A reportagem recebeu o “Prêmio Especial” do júri, pelo “resgate histórico” de 32 conflitos populares ao longo do século 20. Os jurados consideraram que o caderno foi um dos “melhores trabalhos apresentados nos 28 anos do prêmio”.

Um parentese, por gentileza: Eu sei que a questão dos direitos humanos perdeu espaço para outros temas até mesmo na rede de organizações sociais... eu sei que a "moda" é discutir "mídia"... eu sei que as universidades guardaram suas bandeiras históricas... eu sei que os governistas de ontem e os de hoje acham que o Brasil deve ir "para frente" a qualquer custo, sem garantir a integridade de comunidades tradicionais, os direitos dos peões e o respeito aos excluídos de sempre... eu sei que questionar - só questionar - um projeto de infraestrutura dos tempos sombrios de Geisel pode, agora, render rótulos estranhos... eu sei que o amigo da esquina pode zombar de uma demonstração de espanto diante do tratamento de presos nas delegacias, do fuzilamento de civis pelas polícias do Rio de Janeiro, de São Paulo e do Recife...

Enfim... paciência... o que a gente curte mesmo é falar dos brasileiros simples... é ironizar militantes e suas causas "grandiosas"... é publicar uma reportagem clássica.

NR . O Caderno Especial do Estadão com a reportagem vencedora foi assinado por LEONENCIO NOSSA e CELSO SARMENTO

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O Desassombro dos Ignorantes ou A Coragem dos Ingênuos

por Laerte Rimoli

"Por que me arrasto a teus pés, por que me dou tanto assim?"


Era algum dia do primeiro semestre de 1981. 
O país estava em sobressalto com a explosão da bomba do Riocentro no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário. O sargento morreu e o capitão Wilson Luiz Chaves Machado, que estava ao seu lado num fusca, ficou gravemente ferido. Aos 25 anos, magro e de barba rala, eu era repórter da Revista Veja e cobria o Palácio do Planalto. 

O assunto mobilizou por meses a imprensa e deixou exposta a guerra fratricida entre os generais Octávio Aguiar de Medeiros, do SNI, e Golbery do Couto e Silva, do Gabinete Civil. Medeiros, linha-dura, queria por uma pedra sobre o assunto, o famoso “abafa o caso”. Golbery, que vislumbrava o fim do regime militar, desejava esclarecer o episódio. O ambiente ficou carregado em Brasília e o Palácio do Planalto pequeno para os dois generais (Golbery acabou caindo).

O presidente Figueiredo viajou para Patos, sertão paraibano. Lá fui eu. Calor senegalês.
Chegamos por volta das 15:00. Enquanto os repórteres de jornal, que cobriam o dia-
a-dia, correram ao posto dos Correios e Telégrafos, em busca de um telex (era assim
que se passava matéria naquela época, picotando uma fita frágil) fui atrás do general
Medeiros. Soube que ele estava no clube da cidade. Saltei o muro (não era muito alto) e
me materializei na frente do Chefe do SNI , do general Danilo Venturini e do secretário
particular da presidência da República, Heitor de Aquino.

Laerte e Medeiros. Charge de Tercio Rimoli

A princípio surpreso com minha abrupta aparição, Medeiros com um copo alto de
whisky (debaixo daquele solão), os indefectíveis óculos escuros dos arapongas,
de calção e sem camisa, logo relaxou e desanuviou o clima. Perguntou como
trabalhávamos, como era nossa relação com as repórteres, queria saber quem namorava
quem, confessou sua predileção por uma coleguinha, enfim, demonstrou curiosidade
sobre nossa atividade. Sentei-me no degrau da piscina, tirei os sapatos, molhei os pés
e o generalzão ficou num patamar acima. 

Quando senti que o homem tava maduro, sapequei: “Ministro, como fica o caso Riocentro? É verdade que o governo resolveu, intramuros, que o assunto morreu?” “Não gosto da expressão intramuros”, grunhiu ele. Eu troco por “a quatro paredes”. Melhor assim. “O monstro” *, como era conhecido na caserna, já não estava tão amistoso. 

Fiz outra investida e ele resmungou qualquer coisa. Aí a juventude se manifestou. Agarrei-me à perna do general e cantei: “Por que me arrasto aos seus pés, por que me dou tanto assim...”??? Ele tentava se desvencilhar. A cena, patética e inusitada, provocou risos em todos nós. Fui expulso do local e passei a ter encontros periódicos com o general no restrito quarto andar do Palácio, espaço vedado a repórteres. Frases curtas e secas que eram repassadas ao editor, o brilhante Elio Gaspari. Escute aqui Desabafo (Roberto Carlos)

Meu esforço se prestava muito mais como orientação para as matérias sobre a
briga do poder do que propriamente em declarações à Veja. Não publiquei muita coisa
(o cúmulo do antijornalismo) mas confesso: o sisudo general se divertiu bastante com
minha impertinência. E eu com a dureza forjada na caserna. Lembrarei de outras farras
que fiz com esses generais.

* Vocês se lembram que houve tempo em que acusavam os militares de comer
criancinha, neh?

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Não fui eu que mudei de lado!

Por Kátia Maia  

Clique no nome para conhecer o blog da autora  

Só me resta rir desse movimento que divulga e escreve sobre as Marchas contra a Corrupção e as denomina como movimento de mauricinhos e patricinhas sem foco e sem conteúdo!!!!

Como assim, basicamente? Explique melhor, porque não estou entendendo. O movimento perde valor porque leva às ruas jovens que estudam em escolas particulares e que tem acesso a condições melhores de vida? Como assim? Basicamente?

Agora, é preciso ser desempregado, sem terra, sem teto e sem alguma coisa para protestar? Pois bem, participei das Marcha contra a Corrupção neste feriado e me acho perfeitamente habilitada a falar e me indignar com essa M... toda “que já vem malhada antes de eu nascer”, como diria o poeta Cazuza.

A questão aqui, caso ainda não tenham percebido os ‘bonitos’ que falam da falta de foco do movimento, é que todo e qualquer brasileiro que paga suas contas, paga os impostos (altíssimos), rala diariamente para dar conta desse absurdo que é a nossa carga tributária e, fundamental, É HONESTO, tem todo o direito de ir para frente das casas legislativas e protestar contra essa corja.


Meus filhos foram.
Eu me deito toda noite e só não durmo tranquilamente porque o alto custo de ser classe média nesse país me perturba. Mas, no quesito ‘sono dos justos’, eu posso me declarar tranqüila. Não roubei, não desviei dinheiro público, sequer comprei produtos piratas – embora muitas vezes tenha ficado tentada devido aos altos preços dos originais. Mas, nesse caso, prefiro declinar.
Eu fui!
Existe uma propaganda que ‘rola’ no rádio e que acho bem apropriada. Ela fala sobre ser ÉTICO e diz: para ser ético basta dizer não participo, não compartilho não aceito. Pois bem, estou nessa e me considero uma pessoa – embora de classe média e com filhos estudando em escolas particulares – absolutamente apta a protestar e gritar na porta do Congresso Nacional frases como : Sarney safado, fora do senado. Ou, Ordem e progresso dentro do congresso!
Pizza gigante.
Portanto, não venham me dizer que somos patricinhas fora de foco. Eu, na juventude, fui às ruas e também protestei. Na época, eu estava lado a lado com um Partido dos Trabalhadores chamado PT. Coloquei estrelinha no peito e gritei que não concordava com a situação da época.

Pois bem, preciso esclarecer um detalhe: nessa história, não fui eu que mudei de LADO. Think about it!

sábado, 8 de outubro de 2011

Do cinema para a vida ... somos (quase todas) irmãs de Liv Ullmann

por Leda Flora (Blog Papo Furado) 

Quando algo pega a gente pra valer, sempre dá um jeito de retornar com frescor, independente dos variados espaços entre as ondas de memória que o leva ou traz. A geografia de episódios assim indica que esse território se chama emoção. O material, por maior prazer que o sustente no momento da posse, está longe do atestado de vida longa. Pertence ao espaço do efêmero. O espanto da emoção, ao contrário, se eterniza. E se eternizou em mim o primeiro close da atriz norueguesa



 Liv Ullmann que eu vi dentro da sala escura. O título do filme voou,  restou apenas o olhar. Nos outros filmes dela que persegui, queria apenas ver novamente como dois olhos estáticos conseguiam tanta eloquência, como podiam dizer tanta coisa, como explicavam sentimentos em plena mudez, como exibiam a sensibilidade extraordinária dela.
E um belo dia, provavelmente da década de 1980, encontrei por acaso um livro - Mutações - que me despertou enorme curiosidade por se tratar da autobiografia de Liv. E que se tornou meu amigo e guardo até hoje. Logo eu, que dou meus livros aos montes. Ali, ela contou o mistério do close: vinha de pensamentos atrás da testa, muitas vezes encadeados, como dúvidas, covardia, ambivalência, falta de nobreza espontânea requeridas pela personagem. Ou ainda a revelação do tipo de vida que seu rosto observou. Tudo muito interior, abstrato como a matemática, e distante da maquiagem, do cabelo, da beleza.



As histórias de Liv são contadas com uma delicadeza nórdica, quase política. Abre ao leitor uma série de contradições, como se sentir forte e frágil simultaneamente, como gostar de ser paparicada em Hollywood mas desejar  correr sempre para Oslo, como perceber-se às vezes mais solitária na companhia de um homem do que sozinha. Relata o temor da velhice para quem conheceu muito bem os holofotes, a necessidade e as  armadilhas do amor, as dificuldades de ser mulher nos anos 70, o mal -estar de não poder estar mais perto da filha Linn, seu amor maior.

Muitas páginas são dedicadas a Ingmar Bergman, o diretor sueco com quem se casou e teve a filha. Isolados na Ilha de Faro, entre a Rússia e a Suécia, que ele amava muito mais do que ela, viveram durante cinco anos fases tão pesadas que mais pareciam os filmes dele, dez dos quais a elevaram à categoria de grande estrela. Liv resume a vida com Bergman dialeticamente: "A única maneira de me sentir segura era viver do modo que ele queria. Pois só assim ele estava seguro".

Lendo Mutações me senti irmã de Liv. Nenhum sentimento dela me era estranho. Atitudes que tomou eu teria tomado também. Sua visão de mundo me soou familiar. Suas dúvidas me chegaram plausíveis como também suas dores e seus medos. E olha que não conheço fiordes, não me casei com um gênio sueco, não fiz teatro ou cinema, não acompanhei Henry Kissinger num evento, não jantei com Leonid Brezhnev e Richard Nixon na embaixada russa em Washington, não fui disputada por Hollywood, e nunca esqueci um alfinete no vestido e só percebi no meio da festa.
 Com ela, passei também por uma mutação: perdi a crença na superioridade do macho branco europeu. Afinal, se Liv e eu éramos tão próximas, a ideia não se sustentava. E passei a olhar de banda os adoradores do Primeiro Mundo, hoje em processo de queda, que mal conseguem esconder o sentimento pessoal de inferioridade. Jamais conseguirei apreciá-los.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Amor de filha... Homenagem ao jornalista Octacílio Lopes, da geração de Castellinho e Villas-Boas Corrêa

Por Clara Favilla

Todas nós somos Terezinha de Jesus, não é mesmo? Aquela que de uma queda foi ao chão. Acudiram-na três cavalheiros, todos três de chapéu na mão. O primeiro foi seu pai... Sim nosso primeiro amor, aquele que não tivemos opção a não ser a de dividi-lo com aquela mulher que habitava o castelo. A dona do castelo, a dona do nosso amor, a nossa mãe. 

Nossos pais, como se barbeavam e a loção que usavam, como arrumavam as notas e os retratos na carteira, como lustravam os sapatos, a profissão que tinham,  os livros que liam, as canções que cantavam, seus sucessos e fracassos... Nossos pais definem a escolha dos homens que amaremos pela nossa vida toda. Pelo avesso ou pelo direito,  serão sempre nossas referências. 

Eu amei e amo muito meu pai que já se foi há 18 anos, cedo demais.  Assisto uma amiga querida a ensaiar a cerimônia de adeus para um pai bastante idoso e nem por isso o adeus será menos doloroso. Digo tudo isso porque recebi, para publicação neste blog, um poema escrito por um pai: Octacílio Lopes. O poema foi enviado pela filha Cris Lopes. Pai e filha jornalistas. O pai de Cris morreu aos 46 anos,em 1974. Estava doente, mas não se descartou erro médico.


Octacílio Lopes

Eu já sabia que Octacílio Lopes faz parte da história do jornalismo brasileiro. Mas fui procurar mais informações no Google sobre ele. E está lá registrado que foi  citado pelo jornalista e acadêmico Murilo Melo Filho,na saudação aos 60 anos de profissão de Villas-Bôas Corrêa, celebrados na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), em dezembro de 2008: 

- Amigos e colegas há 60 anos, somos nós dois os remanescentes dos anos dourados da política, um tempo em que se estabeleceu o modelo político forjado por grandes nomes como Heráclito Assis de Sales, Pompeu de Souza, Octacílio Lopes, Osvaldo Costa e outras dezenas de heróis do nosso jornalismo.


Villas-Boas, ao lado do jornalista Otacílio Lopes, o Cara de Onça, no front da reportagem política – a chamada “Terra de Ninguém”, que a imprensa ocupava entre a tribuna e a presidência da casa, no plenário da Câmara, no Rio de Janeiro.


A pesquisa no Google também me faz encontrar  a história 876 das 1950 do Folclore Político, contadas em livro por Sebastião Neri. Eis a história:

13/12/68
Jantar na casa do jornalista Carlos Castelo Branco , em Brasília. Oministro Gama e Silva,da Justiça, aparecena TV e lê o Ato Institucional Número 05 (É o fim do Estado de Direito). Castelo diz a Élvia, sua mulher: "Serei preso amanhã.Vou dormir. Daqui a pouco manda esse povo pra fora (...)
Ao amanhecer chegou a polícia. (...)
Castelo vai preso para o quatel da Polícia do Exército. O comandante Epitácio, que tinha sido Secretário de Segurança do Intervetor Meira Matos, em Goiás, recebe-o na porta:  "A que devo a honra dessa visita?"
- Não vim visitar ninguém.
Minutos depois entra o jornalista Octacílio Lopes (o saudoso cara de Onça) e começa a matar os mosquitos do xadrez.
- Castelo será que eles deram esse golpe só por causa de nós dois? 
Vai chegando mais gente (...). E dai a pouco protestando,esbravejando, arrastado o bravoSobral Pinto, então com 75 anos. 

Bem, depois de tantas digressões vamos ao poema de Octacílio Lopes, enviado pela filha Cris Lopes, que continua declarando-lhe eterno amor e saudade

INTERVALO

De frente, a rua escura,
De frente, sempre na frente.

Em que pensa
(em que pode pensar?)
uma alma obscura
na rua escura?

Num pensamento cabem todos
os silêncios. Cruzam,
aflitamente enfeitiçadas,
todas as vozes. Mortas.

Todos os gestos. E a expressão
dos gestos sucumbida
em reminiscências. Vivas.

Lerda madorra de angústias,
Infinito gesto de descanso.

Presa à mente
repousa a sombra
das palavras.
Inaudível.

Das ausências que me habitam,
da palavra o uso não basta.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Cheiro de chuva nas cigarras

Po Kátia Maia 
 

 Hoje senti o sinal de chuva no DF. Não, não houve pingos escassos vindos do alto, mas uma casca de cigarra cravada na árvore logo cedo - quando estava me alongando para minha corrida diária - Me fez acreditar que a chuva está a caminho e para breve.

Ao longo dessas minhas duas décadas de Brasília, aprendi a me acostumar com o canto das cigarras que chegam justamente com a chuva e a primavera. 


Lembro-me do meus meninos, ainda pequeninos catando as casquinhas de cigarras para guardar em potes. Eles adoravam descer debaixo do bloco e andar por entre as árvores catando as cascas deixadas pelas cigarras barulhentas.

Aliás, a cigarra é um bichinho que faz parte de nossas vidas desde a infância. Quem não se lembra da estória da Cigarra e da formiga? Eu adorava ouvi-la na escola.


Confesso que ficava sempre com muita pena da cigarra. Sempre me identifiquei mais com ela. Um ser boêmio, amante da arte, que apostava no prazer de se divertir  e fazia isso cantando.

A formiga, não. Sempre chatinha, pregando regras sobre ser previdente, guardar, pensar no futuro etc. E tentando enquadrar a irreverente cigarra.

A cigarra viveu o que quis e deu o sangue pelas suas 24 horas de vida, cantando, sendo feliz.  No final, (ta certo) se fué, mas foi feliz.

Mas, olha, no balanço de perdas e danos, embora eu tenha sempre admirado a cigarra, percebo que apesar de termos feito tudo, tudo que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.

Terminei me tranformando em formiga previdente, com o pé no chão e fazendo economias para a chegada do longo e tenebroso inverno quando assim acontecia. Paciência. I keep living and sometimes I sing in the rain! Para isso, basta chover! Aguardemos.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

O mais nutritivo alimento para o espírito é festa com efe grande

Por Leda Flora 

Festa é soma da energia de um grupo que se reune para celebrar alguém ou algo, permitindo que a alegria invada tudo, inclusive as células. A festa faz tão bem antes, durante e depois, que, se a medicina fosse mais atenta e sensível, indicaria para o mundo inteiro, sem exagerar na dose para não banalizá-la. É preciso esperar por ela, viver nela, rir feliz no dia seguinte lembrando dela. E o melhor: não se leva festa pra casa porque, luzes apagadas, percebe-se sua imaterialidade.

Graça e Milton Seligman, os anfitriões bem-amados
Festa são momentos em que se dá permissão para a felicidade entrar pelos olhos, pela boca, pelo nariz, pelos ouvidos, pelos poros, pelo tato. Momentos em que se concede ao corpo o direito de se mexer do jeito dele. Momentos de abraçar e beijar pessoas queridas. Momentos de conversa boa e fiada, de cantoria. Festa é um sem fim de sorrisos trocados, um número colossal de dentes expostos. Festa é transgressão do cotidiano, barulhão bem-vindo, taça de cristal.
Graça e Chapinha, o garçom  da pá virada
 Festa é a ocasião perfeita para esquecer as dificuldades naturais da vida. Não importa se momentaneamente. Tempo indicado para viver com abuso e prazer o presente, como se nada mais existisse. Brincadeira bonita para grandes e pequenos. O mundo todo faz festa, sempre foi assim. Pode-se até afirmar que se trata de uma das poucas tradições que resistiu ao tempo e apenas foi adotando outras versões, novos figurinos. Celebrar integra o DNA das gentes. É deliciosamente humano.

Aqui, Macao Goes representando todas as amigas e fãs do casal
Mulheres se preparam com critério: roupa, maquiagem, cabelo e acessórios escolhidos a dedo. Com elas, nada é aleatório. Nada é em cima da hora. Ritual milenar que jamais será posto de lado. Homens, nem tanto, mas também eles têm lá os seus critérios. Como os imperadores do mundo antigo?  Quem sabe? Afinal, festa deve reunir pessoas bonitas, perfumadas e dispostas a fruir a generosa oferta de tudo de bom, inclusive a possibilidade de um encontro especial, uma das grandes fantasias que encerra.

E,  não poderia deixar de faltar a nossa Leda Flora, a autora do texto
 Senti esse mundo de sensações na festa de aniversário de um amigo queridíssimo, Milton Seligman, no sábado, 20 de agosto.. E ainda houve um plus quando ele se revelou roqueiro de carteirinha para seus convidados, uma opção da maturidade mas com entusiasmo menino, e se apresentou no palco como percussionista de uma banda super bacana, animadíssima, que ele leva tão a sério como sua atividade de dirigente empresarial. Festa de arromba: chique, despojada, gostosa, descolada, cabeça. A cara do Milton. 

Edição: Clara Favilla 

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Ela todo dia faz tudo igual: se atira do térreo... Conheça Maria Lúcia, a tuiteira

por Memélia Moreira

Na vida, real ou imaginária, há quem mate um leão todos os dias. Outros cantarolam, às vezes artisticamente, que todo dia é dia de índio. Uns tantos, os queixosos rotineiros, reclamam da falta de originalidade dizendo que todo dia  ela faz tudo sempre igual. Mas só ela, Maria Lúcia, todos os dias se atira do térreo. E faz sempre tudo igual, até mesmo matar seus leões, medos, frustrações que se sucedem diariamente numa sequencia de bipolaridades e incertezas.


Mas quem é Maria Lúcia? Ela existe na vida real ou é apenas mas um desses personagens que vivem no planeta de Nenhures? Ela pisa no chão, almoça, toma banho, lê, ama? Ou flutua no etéreo mundo virtual? Que idade ela tem? É bonita igual a imagem pública que divulga? Ou é apenas comum e se esconde sob o escudo de uma beleza consagrada?


Sim, Maria Lúcia existe. E apesar de ainda não ser uma mulher famosa, com ensaios ou livros publicados, sem sequer ter posado nua ou participado dos bigbroderes, ela tem um biógrafo oficial. Chama-se Lula Falcão, cronista, jornalista, pernambucano, radicado na República da Vila Madalena, São Paulo.


Lula tem esse dom extraordinário, quase exclusivo dos cronistas, que é o de observar,com acuidade e ironia, o comportamento humano na sua individualidade e nos seus envolvimentos coletivos. Foi isso que ele fez ao traçar o perfil de Maria Lucia.


Ela é o o retrato de uma personalidade que começa a chegar à idade madura sem ter conquistado seus ícones próprios. É a digna representante de uma geração-hiato que se dividiu entre aqueles  que sentem nostalgia dos inconformistas e hippies dos anos 60 e os que, talvez por opção, foram incapazes de seguir a trilha dos yuppies dos anos 80. Daí que passam dias, e noites, caçando no baú do tempo, causas ou bandeiras válidas para o século XXI.  Tudo isso na luta incessante para pagar o aluguel no fim do mês, comer além do miojo com ketchup e, a qualquer custo, ter o suficiente para se embriagar e assim sobreviver num universo paralelo onde todas as pequenas misérias da vida se desfazem.

A  personalidade de Maria Lucia se traçou logo no prefácio. Lá está o buraquinho da fechadura para espiar esta mulher que   “... é contraditória. É maluca. É cachaceira. É maconheira. É fogosa. É angustiada. É solitária. É viciada em internet. É uma filósofa. É atarantada. É a cara do nosso tempo”. O tempo das redes sociais. Maria Lúcia, na verdade,  não passa de uma tuiteira, neologismo da  rede social,  Twitter, que tolera amor, ódio, sexo, política, poesia, ensaios, monografias, merchandasing. Tudo em 140  caractéres. 


Com todas essas característica, é claro que Maria Lúcia é uma personagem que seduz, irrita, diverte, provoca. Tipo da pessoa que mesmo escondendo seu rosto na multidão, não consegue passar despercebida. E, fisicamente, é difícil não apreciá-la. Está entre 30 a 40 anos, diz seu biógrafo. Na capa do livro, ela não mostra o rosto porque ele é feito de mil, duas mil faces. Mas há seu corpo. Um  belo corpo de mulher. Esguia, longas e bem delineadas pernas, joelhos  inspiradores. Os sapatos, apesar de gastos, são de alguém que tem bom gosto, embora se vista de modo quase vulgar. Calma, não precisa chamar as patrulhas. Maria Lúcia não está de vestido colado, curto e cor-de-rosa comestível. Ela não consegue ser totalmente vulgar. Até nisso fica no limite.


Dispersa, essa personagem é desempregada ou, às vezes, subempregada. Seu maior obstáculo é responder um formulário burocrático para deslanchar sua profissão. Obviamente, num país acostumado às benesses do estado, sua profissão, mais ou menos indefinida, depende de recursos governamentais. Quantas pessoas você conhece assim? Diante da impossibilidade, Maria Lúcia vai sufocando sonhos. Passa pela extrema humilhação de voltar à casa dos pais que, seguem a fórmula da classe média brasileira. Ou seja, a mãe lhe sugere fazer concurso público. De fiscal. Ela quer apenas sair com sua câmera na mão atrás de uma idéia.


QUERO FAMA

Tão multifacateda é Maria Lúcia que podemos encontrá-la em em diferentes  perfis dos tuiteiros. Seu biográfo, fez uma verdadeira “operação pente-fino” entre os frequentadores de sua tela do computador. E ela, a exemplo de outras marias-lúcias, busca a fama em 140 toques . E confessa seu pecadilho:
“Arrisco um comentário num post de um jornalista conhecido. Cruzo os dedos enquanto espero a resposta. Não veio. Que vergonha. Queria mesmo era dar uma notícia quente...”

Nesse mundo de tuiteiros, há muitos que seguem a fórmula de Maria Lúcia, já profetizada por Andy Warhol. Fama quae sera tamen..Ou, por 15 minutos. Outros criam uma vida totalmente fictícia. Tuitam suas ilusões e terminam por acreditar nessa irrealidade talvez para fugir da aridez de suas próprias vidas. O Twitter tem sua biodiversidade. Há acadêmicos enfadados, curiosos anônimos, intimidades artificiais, encontro de velhos amigos e de novos amigos de infância e, principalmente, um dilúvio de informações. Até mesmo as úteis.

A edição do livro optou por uma diagramação (ai que saudades de ver uma página de jornal sendo diagramada!) que usa o símbolo @ para iniciar cada parágrafo. Até nisso, a biografia escrita  por esse jornalista, escritor e tuiteiro nos remete à vida do mundo virtual. Afinal de contas, o símbolo da arroba que há tempos tinha cheiro de naftalina,  vestiu roupa nova e se impôs ao mundo desde que o computador  se popularizou. Portanto, embora seja essencial para os tuiteiros, ela é entendida por qualquer pessoa que tenha acesso ao revolucionário mundo da internet.

Não sei se Lula Falcão, jornalista que aprendi a admirar exatamente nesse  universo etéreo tem consciência de ter escrito o primeiro manual psicanalítico  dos tuiteiros. Mas só sei que escrevi esse texto cheia de cuidados. Afinal de contas, tento analisar o livro de uma pessoa que tem um texto onde reúne profundidade, leveza, humor e ironia. Claro, tem um pouco mais de 140 caractéres. Por isso, apaguei. Ops! Deletei frases, reescrevi trechos. Enfim, suei num ambiente onde a temperatura está sempre a 22° C. Quase roendo as unhas, igual foca na sua primeira matéria de 15 linhas.


Mas chega de blablábla. Recomendo a leitura. E garanto que “Todo dia me atiro do térreo #tuiteira” vai fazer você se sentir totalmente normal. Só peço que quando terminarem de ler, me informem se Maria Lúcia é real.
P.S. Antes que me esqueça. A editora se chama BOOKESS

terça-feira, 26 de julho de 2011

Ter amigos é tudo de bom!

por Katia Maia

Viajar é bom, mas viajar e ter amigos por perto é melhor ainda! Pela primeira vez na vida, fiz uma viagem internacional com meus filhos e tive por perto amigos para chamar de meus nos locais onde ficamos.


No quintal de Memélia

Não acho ruim viajar solta no mundo, sozinha, tendo que contar comigo mesma e seguir a minha própria vontade, mas confesso que foi maravilhoso estar perto de amigas nos locais por onde passei nessa empreitada pelos Estado Unidos.

Comidinhas saudáveis de Memélia
Não foi nada longo, não foi uma temporada, mas posso dizer que os momentos que passei na terra do Tio Sam foram sem dúvida mais agradáveis porque pude contar com a presença das queridas Memélia Moreira, em Orlando, e de Giuliana Morrone, em #NYC.

Falo agora de Orlando, onde pude conhecer o núcleo internacional do Café & Veneno. Foi uma experiência ímpar. Estar em terras estrangeiras e conhecer a cidade sob o olhar de quem mora lá é bem diferente do turismo que fazemos quando viajamos sozinhos.

Criamos certa identidade com o lugar. Sentimos que temos autonomia sobre o espaço e dominamos a área pelo simples fato de estarmos ali com alguém que conhecemos em uma cidade que nossos amigos conhecem.

Memélia e o marido Frank
E, olha, o núcleo internacional do Café & Veneno é bem acolhedor. Fomos recebidos – eu e meus filhos, portanto TRÊS pessoas – com uma atenção, uma delicadeza e uma harmonia que só encontramos em lugares onde sabemos que a afinidade e a felicidade acontecem.

Foi tudo tão tranqüilo que nos sentimos em casa. Tanto que meu filho mais novo – um admirador incondicional do futebol (até das partidas frustrantes de nossa seleção) conseguiu ver os (vergonhosos) jogos da seleção brasileira na Copa América durante nossa passagem por Orlando. Pode?

Pode! Desde que tenhamos amigos que se dispunham a nos receber em suas casas numa quarta-feira a noite ou num sábado à tarde. E foi exatamente isso que aconteceu.

Tudo isso, claro,  só foi possível porque tínhamos amigos na cidade. E quando falo amigos, me refiro à Memélia e ao Frank. Sentimo-nos queridos e acolhidos na casa dos dois e isso só significa uma coisa: amizade!

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Um cachorro chamado Capim...

por Clara e Lulu Favilla

Pense num cão feio. Pensou? Errou se ele não se chama Capim e não mora perto de um viveiro de plantas, em Brasília.



Tem esse nome porque foi achado num capinzal pelo meu irmão Dário, pai dos meus sobrinhos Victor e Luísa, a Lulu.  Esses meus sobrinhos, como o pai e o avô, que também se chamava Dário, se especializaram neste mundo na paixão por cães feios e abandonados ou quase abandonados.




O Capim foi achado quase morto de fome e sede, cheio de carrapatos. Meu irmão  providenciou-lhe banho com direito à tosa, que lhe deu limpeza, mas não lhe acrescentou qualquer beleza.  Antes do Capim , a família havia adotado a Pitucha, também vira-lata, nascida na  fazenda da minha irmã Vera. Pitucha, coitadinha, morreu por excesso de cuidados.

Apareceu  manquitolando. Foi levada ao veterinário que identificou algum tipo de problema na perna e recomendou cirurgia. Não resistiu à anestesia. Olha que falta de sorte! Se fosse menos cuidada, poderia estar viva até hoje, arrastando a pernoca. A morte da Pitucha foi traumática. Dias de chorororô inconsolável por parte da família dos Dan Favilla.


Capim e Victor

Aí apareceu o Capim. Depois de limpo e livre de parasitas foi levado pro apartamento, onde não se acostumou à vida de rei. É avesso a qualquer  etiqueta, mesmo as mais básicas, ensinadas por professor/treinador pago.

O jeito foi levá-lo para uma casa perto do viveiro de plantas da família, na saída norte da cidade, direção Sobradinho.  Lá tem um canil espaçoso. Bom, porque o Capim  só pode ser solto quando meu irmão está por perto de tanto que apronta. Meu irmão é o único ser dito humano que ele respeita.

Olha só a última que aprontou, segundo relato da Lulu:

Capim o cachorro ladrão

Em mais uma de suas  peripécias, Capim foi pego em flagrante com um bife, de origem desconhecida, na boca. Soubemos que o bife era de dona Francisca e estava salgando no sol. Então, Capim pulou, abocanhou o bife mais carnudo e fugiu para o canil. Quando meu pai foi tirar o bife da boca de Capim, o safado engoliu de uma vez. Como castigo ele foi PRESO no canil.

Aguardem novas proezas desse cãozinho danado. Aqui neste mesmo DogCanal.

terça-feira, 12 de julho de 2011

A culpa é do vento

Por César Valente

Mais gente do que a gente imagina ainda vê árvores e plantas de uma maneira geral como “sujeira”. Quando eu era pequeno, ouvia muito falar que mandaram “limpar o terreno”. Significava derrubar as árvores, cortar os arbustos, deixar praticamente a terra nua. A terra “limpa”. “Ninguém quer comprar um terreno sujo”, diziam.




Mesmo agora, em bairros residenciais, a gente encontra pessoas muito incomodadas com árvores que ficam diante de suas casas. A foto acima foi tirada ontem. O dono da casa, mesmo sem ter, sobre a árvore da calçada, qualquer poder, a está cortando aos poucos. De tempos em tempos, corta um metro ou mais.

Perto dali, uma moradora, há alguns anos, cortou duas belas árvores que existiam na calçada em frente à sua casa. Perguntei a ela por que fazia tanta questão de derrubar as árvores: “Quando dá um vento isso aqui fica tudo sujo de folhas”. De fato, folhas pelo chão são uma sujeira inaceitável, com a qual nós, civilizados e limpinhos, não podemos conviver.

                                                      
Certamente, há quem pense que, com tantas árvores nos morros e matas que ainda sobrevivem, uma a mais ou a menos não faz a menor diferença. O que é uma pena, porque é justamente numa cidade que a árvore faz diferença. Imaginem que vocês são passarinhos, indo de um lugar a outro. As árvores são para eles como pedras em um rio para nós. Dá para atravessar um rio pulando de pedra em pedra. Eles podem cobrir enormes distâncias em busca de alimento e de afeto, se encontram, aqui e ali, árvores frondosas, onde podem descansar um pouco e trocar uma ideia com outros pássaros em trânsito.

Mas, já ouvi também gente se queixar da “barulheira” dos passarinhos. E para eles a derrubada dessas árvores à beira das calçadas resolve dois problemas vitais: a “sujeira” das folhas e a “algazarra” dos passarinhos. A Celesc, as operadoras de telefonia fixa e as empresas de TV a cabo também não gostam de árvores: é complicado estender aquela nojeira de fios que eles vivem estendendo com as árvores atrapalhando. Uma cidade com as ruas cheias de postes e com a paisagem comprometida por uma montoeira de fios é aceitável. Uma cidade com ruas arborizadas é um problema.

A natureza é um problema. Árvores têm raízes e como nem todos se preocupam em escolher as espécies certas para plantar nas calçadas, às vezes as raízes vão abrindo caminho e destruindo calçadas, esgotos e muros. As árvores, às vezes, caem. E tem gente que tem medo de árvores, porque considera que, a qualquer momento, ela cairá sobre sua cabeça ou, o que é muito pior, sobre seu carro. A natureza é mesmo um grande problema.

Felizes os habitantes do deserto do Saara. Ou das áreas desérticas que começam a se formar Brasil afora. Não precisam catar folhas. Não precisam temer as árvores. Não sofrem com o trinado dos passarinhos. Não ficam com sombras indesejáveis nos seus gramados, mesmo porque não terão grama nem qualquer outro vegetal.

Dia desses fui dar uma olhada numa araucária que, apesar do clima da capital, estava crescendo muito bem, altiva e saudável, no terreno de uma casa aqui perto. Acompanho seu crescimento há uns quinze anos. Levei um susto: tinham acabado de cortá-la, os pedaços do tronco ainda estavam por perto. Deu uma tristeza ainda maior porque, aparentemente, a derrubaram sem qualquer motivo sério. Apenas para não deixá-la crescer. Para evitar os pinhões. Com medo das grimpas. Pelo prazer obsceno de “limpar” o terreno.


Texto publicado em  O9 de agosto de 2006, no Diário do Litoral, o Diarinho (Florianópolis) e reunido no livro De Olho na Capital, os dois primeiros anos