"Por que me arrasto a teus pés, por que me dou tanto assim?"
Era algum dia do primeiro semestre de 1981.
O país estava em sobressalto com a explosão da bomba do Riocentro no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário. O sargento morreu e o capitão Wilson Luiz Chaves Machado, que estava ao seu lado num fusca, ficou gravemente ferido. Aos 25 anos, magro e de barba rala, eu era repórter da Revista Veja e cobria o Palácio do Planalto.
O assunto mobilizou por meses a imprensa e deixou exposta a guerra fratricida entre os generais Octávio Aguiar de Medeiros, do SNI, e Golbery do Couto e Silva, do Gabinete Civil. Medeiros, linha-dura, queria por uma pedra sobre o assunto, o famoso “abafa o caso”. Golbery, que vislumbrava o fim do regime militar, desejava esclarecer o episódio. O ambiente ficou carregado em Brasília e o Palácio do Planalto pequeno para os dois generais (Golbery acabou caindo).
O presidente Figueiredo viajou para Patos, sertão paraibano. Lá fui eu. Calor senegalês.
Chegamos por volta das 15:00. Enquanto os repórteres de jornal, que cobriam o dia-
a-dia, correram ao posto dos Correios e Telégrafos, em busca de um telex (era assim
que se passava matéria naquela época, picotando uma fita frágil) fui atrás do general
Medeiros. Soube que ele estava no clube da cidade. Saltei o muro (não era muito alto) e
me materializei na frente do Chefe do SNI , do general Danilo Venturini e do secretário
particular da presidência da República, Heitor de Aquino.
Laerte e Medeiros. Charge de Tercio Rimoli |
A princípio surpreso com minha abrupta aparição, Medeiros com um copo alto de
whisky (debaixo daquele solão), os indefectíveis óculos escuros dos arapongas,
de calção e sem camisa, logo relaxou e desanuviou o clima. Perguntou como
trabalhávamos, como era nossa relação com as repórteres, queria saber quem namorava
quem, confessou sua predileção por uma coleguinha, enfim, demonstrou curiosidade
sobre nossa atividade. Sentei-me no degrau da piscina, tirei os sapatos, molhei os pés
e o generalzão ficou num patamar acima.
Quando senti que o homem tava maduro, sapequei: “Ministro, como fica o caso Riocentro? É verdade que o governo resolveu, intramuros, que o assunto morreu?” “Não gosto da expressão intramuros”, grunhiu ele. Eu troco por “a quatro paredes”. Melhor assim. “O monstro” *, como era conhecido na caserna, já não estava tão amistoso.
Fiz outra investida e ele resmungou qualquer coisa. Aí a juventude se manifestou. Agarrei-me à perna do general e cantei: “Por que me arrasto aos seus pés, por que me dou tanto assim...”??? Ele tentava se desvencilhar. A cena, patética e inusitada, provocou risos em todos nós. Fui expulso do local e passei a ter encontros periódicos com o general no restrito quarto andar do Palácio, espaço vedado a repórteres. Frases curtas e secas que eram repassadas ao editor, o brilhante Elio Gaspari. Escute aqui Desabafo (Roberto Carlos)
Meu esforço se prestava muito mais como orientação para as matérias sobre a
briga do poder do que propriamente em declarações à Veja. Não publiquei muita coisa
(o cúmulo do antijornalismo) mas confesso: o sisudo general se divertiu bastante com
minha impertinência. E eu com a dureza forjada na caserna. Lembrarei de outras farras
que fiz com esses generais.
* Vocês se lembram que houve tempo em que acusavam os militares de comer
criancinha, neh?
Sensacional...Cheguei a sentir o frescor da água da piscina no calor senegalês.
ResponderExcluirBeijos com todo amos que sinto por voc~e..com permiso de Marcinha:)))
Penha Saviatto
Pois é Laerte, muita gente nem se lembra mais dos terrores que vivemos, outros ainda pedem a volta dos tempos terríveis. Belo post. Parabéns.
ResponderExcluirAdorei. Esse blog de vocês é o máximo. Vivas ao autor do texto. É sempre bom lembrar.
ResponderExcluirEstava com saudade danada de um texto assim, claro, direto. rico. E, de todas as histórias desse repóreter que nunca foi ignorante ou ingênuo, essa é a minha favorita. Nunca mais o general foi o mesmo. E a ditadura caíu três anos depois.
ResponderExcluirLaerte Rímoli, essa genialidade vem de sangue?
Beijos
Tua fã sem conjunções adversativas...
Memélia
Mister L, você é autêntico e tal atitude demonstra que você nunca se intimidou em pegar no pé de quem quer que seja. Beijocas pra você e mantenha a verve. A charge do mano Tercio é um show.
ResponderExcluirAmei o post, a charge, tudo. Também ri com autor.
ResponderExcluirHouve um tempo que comunistas eram acusados de comer crianças, o mesmo servia para os generais?
Mais um pouco da história deste Brasil. Vocês que possuem informações, passem pra gente. Queremos saber.
ResponderExcluirUm abraço,
Gostei muito e aprendi um pouco.
ResponderExcluirMuito bom. Pena que nem sempre tenhamos informações tão interessantes. Parabéns ao chargista.
ResponderExcluirÉ tão bom quando sou avisada de um novo post no blog do Café & Veneno! Adorei o post do jornalista e a charge do Tércio.
ResponderExcluirNina
Nada como um bom artigo para se ler em feriado chuvoso. Parabéns ao autor e ao blog. Me lembro do Laerte dizendo em uma coletiva: "Laerte Rimoli da rádio que toca notícia". rs
ResponderExcluirLembro-me do Laerte na inauguração da Base Aérea de Porto Velho. Ele era da Folha de S.Paulo.
ResponderExcluirGostei muito do que li. Postem mais. Aliás, muita gente não tem postado. Estou sempre olhando o blog. Cadê Kátia, Cris, Roupa na Corda e os outros? era tão bom lê-los!
ResponderExcluirGrande Laerte!! Você, com este jeito muito peculiar e competente de fazer jornalismo, sempre acabava conseguindo o que queria.
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