terça-feira, 12 de julho de 2011

A culpa é do vento

Por César Valente

Mais gente do que a gente imagina ainda vê árvores e plantas de uma maneira geral como “sujeira”. Quando eu era pequeno, ouvia muito falar que mandaram “limpar o terreno”. Significava derrubar as árvores, cortar os arbustos, deixar praticamente a terra nua. A terra “limpa”. “Ninguém quer comprar um terreno sujo”, diziam.




Mesmo agora, em bairros residenciais, a gente encontra pessoas muito incomodadas com árvores que ficam diante de suas casas. A foto acima foi tirada ontem. O dono da casa, mesmo sem ter, sobre a árvore da calçada, qualquer poder, a está cortando aos poucos. De tempos em tempos, corta um metro ou mais.

Perto dali, uma moradora, há alguns anos, cortou duas belas árvores que existiam na calçada em frente à sua casa. Perguntei a ela por que fazia tanta questão de derrubar as árvores: “Quando dá um vento isso aqui fica tudo sujo de folhas”. De fato, folhas pelo chão são uma sujeira inaceitável, com a qual nós, civilizados e limpinhos, não podemos conviver.

                                                      
Certamente, há quem pense que, com tantas árvores nos morros e matas que ainda sobrevivem, uma a mais ou a menos não faz a menor diferença. O que é uma pena, porque é justamente numa cidade que a árvore faz diferença. Imaginem que vocês são passarinhos, indo de um lugar a outro. As árvores são para eles como pedras em um rio para nós. Dá para atravessar um rio pulando de pedra em pedra. Eles podem cobrir enormes distâncias em busca de alimento e de afeto, se encontram, aqui e ali, árvores frondosas, onde podem descansar um pouco e trocar uma ideia com outros pássaros em trânsito.

Mas, já ouvi também gente se queixar da “barulheira” dos passarinhos. E para eles a derrubada dessas árvores à beira das calçadas resolve dois problemas vitais: a “sujeira” das folhas e a “algazarra” dos passarinhos. A Celesc, as operadoras de telefonia fixa e as empresas de TV a cabo também não gostam de árvores: é complicado estender aquela nojeira de fios que eles vivem estendendo com as árvores atrapalhando. Uma cidade com as ruas cheias de postes e com a paisagem comprometida por uma montoeira de fios é aceitável. Uma cidade com ruas arborizadas é um problema.

A natureza é um problema. Árvores têm raízes e como nem todos se preocupam em escolher as espécies certas para plantar nas calçadas, às vezes as raízes vão abrindo caminho e destruindo calçadas, esgotos e muros. As árvores, às vezes, caem. E tem gente que tem medo de árvores, porque considera que, a qualquer momento, ela cairá sobre sua cabeça ou, o que é muito pior, sobre seu carro. A natureza é mesmo um grande problema.

Felizes os habitantes do deserto do Saara. Ou das áreas desérticas que começam a se formar Brasil afora. Não precisam catar folhas. Não precisam temer as árvores. Não sofrem com o trinado dos passarinhos. Não ficam com sombras indesejáveis nos seus gramados, mesmo porque não terão grama nem qualquer outro vegetal.

Dia desses fui dar uma olhada numa araucária que, apesar do clima da capital, estava crescendo muito bem, altiva e saudável, no terreno de uma casa aqui perto. Acompanho seu crescimento há uns quinze anos. Levei um susto: tinham acabado de cortá-la, os pedaços do tronco ainda estavam por perto. Deu uma tristeza ainda maior porque, aparentemente, a derrubaram sem qualquer motivo sério. Apenas para não deixá-la crescer. Para evitar os pinhões. Com medo das grimpas. Pelo prazer obsceno de “limpar” o terreno.


Texto publicado em  O9 de agosto de 2006, no Diário do Litoral, o Diarinho (Florianópolis) e reunido no livro De Olho na Capital, os dois primeiros anos

4 comentários:

  1. Coisa mais triste é quintal cimentado, ladrilhado, pedregulhado, sem grama, sem sombra de árvores, sem frutinhas caindo de maduras, sem passarinhos.Infelizmente,prática cada vez mais comum, tornando nossas cidades verdadeiras ilhas de calor.

    ResponderExcluir
  2. Meu quintal tem duplas: 2 mangueiras, dois coqueiros, dois abacateiros e também acerola, pitanga e um pé de cajú, que cresce na seca e definha no período de chuvas. Tudo num imenso gramado. Sem paisagismo nenhum. O teu Clarinha, que tem o toque do irmão paisagista, deixa os olhos da gente brilhando.

    Nada como um quintal repleto de verde.

    ResponderExcluir
  3. Meu quintal na casa de Brasília tem muitas árvores. Na frente, pequizeiro, ipê amarelo, palmeira e outras duas árvores do cerrado. Nos fundos um pequeno pomar com acerola, pitanga, banana, abacate, amora, maracujá, cajú e outras coisicas. Cimentar? jamais.

    ResponderExcluir
  4. É preciso uma campanha nacional pela preservação dos quintais.
    Também no interior do Brasil os quintais estão sendo impermeabilizados por pedras, cimentos, lajotas.
    E depois reclamam do calor!

    ResponderExcluir