por Memélia Moreira
Na vida, real ou imaginária, há quem mate um leão todos os dias. Outros cantarolam, às vezes artisticamente, que todo dia é dia de índio. Uns tantos, os queixosos rotineiros, reclamam da falta de originalidade dizendo que todo dia ela faz tudo sempre igual. Mas só ela, Maria Lúcia, todos os dias se atira do térreo. E faz sempre tudo igual, até mesmo matar seus leões, medos, frustrações que se sucedem diariamente numa sequencia de bipolaridades e incertezas.
Mas quem é Maria Lúcia? Ela existe na vida real ou é apenas mas um desses personagens que vivem no planeta de Nenhures? Ela pisa no chão, almoça, toma banho, lê, ama? Ou flutua no etéreo mundo virtual? Que idade ela tem? É bonita igual a imagem pública que divulga? Ou é apenas comum e se esconde sob o escudo de uma beleza consagrada?
Sim, Maria Lúcia existe. E apesar de ainda não ser uma mulher famosa, com ensaios ou livros publicados, sem sequer ter posado nua ou participado dos bigbroderes, ela tem um biógrafo oficial. Chama-se Lula Falcão, cronista, jornalista, pernambucano, radicado na República da Vila Madalena, São Paulo.
Lula tem esse dom extraordinário, quase exclusivo dos cronistas, que é o de observar,com acuidade e ironia, o comportamento humano na sua individualidade e nos seus envolvimentos coletivos. Foi isso que ele fez ao traçar o perfil de Maria Lucia.
Ela é o o retrato de uma personalidade que começa a chegar à idade madura sem ter conquistado seus ícones próprios. É a digna representante de uma geração-hiato que se dividiu entre aqueles que sentem nostalgia dos inconformistas e hippies dos anos 60 e os que, talvez por opção, foram incapazes de seguir a trilha dos yuppies dos anos 80. Daí que passam dias, e noites, caçando no baú do tempo, causas ou bandeiras válidas para o século XXI. Tudo isso na luta incessante para pagar o aluguel no fim do mês, comer além do miojo com ketchup e, a qualquer custo, ter o suficiente para se embriagar e assim sobreviver num universo paralelo onde todas as pequenas misérias da vida se desfazem.
A personalidade de Maria Lucia se traçou logo no prefácio. Lá está o buraquinho da fechadura para espiar esta mulher que “... é contraditória. É maluca. É cachaceira. É maconheira. É fogosa. É angustiada. É solitária. É viciada em internet. É uma filósofa. É atarantada. É a cara do nosso tempo”. O tempo das redes sociais. Maria Lúcia, na verdade, não passa de uma tuiteira, neologismo da rede social, Twitter, que tolera amor, ódio, sexo, política, poesia, ensaios, monografias, merchandasing. Tudo em 140 caractéres.
Com todas essas característica, é claro que Maria Lúcia é uma personagem que seduz, irrita, diverte, provoca. Tipo da pessoa que mesmo escondendo seu rosto na multidão, não consegue passar despercebida. E, fisicamente, é difícil não apreciá-la. Está entre 30 a 40 anos, diz seu biógrafo. Na capa do livro, ela não mostra o rosto porque ele é feito de mil, duas mil faces. Mas há seu corpo. Um belo corpo de mulher. Esguia, longas e bem delineadas pernas, joelhos inspiradores. Os sapatos, apesar de gastos, são de alguém que tem bom gosto, embora se vista de modo quase vulgar. Calma, não precisa chamar as patrulhas. Maria Lúcia não está de vestido colado, curto e cor-de-rosa comestível. Ela não consegue ser totalmente vulgar. Até nisso fica no limite.
Dispersa, essa personagem é desempregada ou, às vezes, subempregada. Seu maior obstáculo é responder um formulário burocrático para deslanchar sua profissão. Obviamente, num país acostumado às benesses do estado, sua profissão, mais ou menos indefinida, depende de recursos governamentais. Quantas pessoas você conhece assim? Diante da impossibilidade, Maria Lúcia vai sufocando sonhos. Passa pela extrema humilhação de voltar à casa dos pais que, seguem a fórmula da classe média brasileira. Ou seja, a mãe lhe sugere fazer concurso público. De fiscal. Ela quer apenas sair com sua câmera na mão atrás de uma idéia.
QUERO FAMA
Tão multifacateda é Maria Lúcia que podemos encontrá-la em em diferentes perfis dos tuiteiros. Seu biográfo, fez uma verdadeira “operação pente-fino” entre os frequentadores de sua tela do computador. E ela, a exemplo de outras marias-lúcias, busca a fama em 140 toques . E confessa seu pecadilho:
“Arrisco um comentário num post de um jornalista conhecido. Cruzo os dedos enquanto espero a resposta. Não veio. Que vergonha. Queria mesmo era dar uma notícia quente...”
Nesse mundo de tuiteiros, há muitos que seguem a fórmula de Maria Lúcia, já profetizada por Andy Warhol. Fama quae sera tamen..Ou, por 15 minutos. Outros criam uma vida totalmente fictícia. Tuitam suas ilusões e terminam por acreditar nessa irrealidade talvez para fugir da aridez de suas próprias vidas. O Twitter tem sua biodiversidade. Há acadêmicos enfadados, curiosos anônimos, intimidades artificiais, encontro de velhos amigos e de novos amigos de infância e, principalmente, um dilúvio de informações. Até mesmo as úteis.
A edição do livro optou por uma diagramação (ai que saudades de ver uma página de jornal sendo diagramada!) que usa o símbolo @ para iniciar cada parágrafo. Até nisso, a biografia escrita por esse jornalista, escritor e tuiteiro nos remete à vida do mundo virtual. Afinal de contas, o símbolo da arroba que há tempos tinha cheiro de naftalina, vestiu roupa nova e se impôs ao mundo desde que o computador se popularizou. Portanto, embora seja essencial para os tuiteiros, ela é entendida por qualquer pessoa que tenha acesso ao revolucionário mundo da internet.
Não sei se Lula Falcão, jornalista que aprendi a admirar exatamente nesse universo etéreo tem consciência de ter escrito o primeiro manual psicanalítico dos tuiteiros. Mas só sei que escrevi esse texto cheia de cuidados. Afinal de contas, tento analisar o livro de uma pessoa que tem um texto onde reúne profundidade, leveza, humor e ironia. Claro, tem um pouco mais de 140 caractéres. Por isso, apaguei. Ops! Deletei frases, reescrevi trechos. Enfim, suei num ambiente onde a temperatura está sempre a 22° C. Quase roendo as unhas, igual foca na sua primeira matéria de 15 linhas.
Mas chega de blablábla. Recomendo a leitura. E garanto que “Todo dia me atiro do térreo #tuiteira” vai fazer você se sentir totalmente normal. Só peço que quando terminarem de ler, me informem se Maria Lúcia é real.
P.S. Antes que me esqueça. A editora se chama BOOKESS
Memélia, que maravilha! O Lula escreveu o livro e você comentou brilhantemente.
ResponderExcluirDivulgarei para que as pessoas tenham o prazer da leitura do livro e do artigo.
Bjs
Muito interessante, um texto para varias reflexões...vale pensar...e chegar ou não a um pensamento mais profundo blogostoso
ResponderExcluirRecebi o post. A Cris me mandou por e-mail. Claro, corri para ler e adorei. Parabéns.
ResponderExcluirAdorei. Vou atrás do livro. Gosto muito da maneira que você escreve. As outras não escrevem mais? Cadê a Cris Lopes?
ResponderExcluirLi no Twitter e vim correndo ler o blog. Delícia, vou me informar para correr atrás do livro.
ResponderExcluirBeijos
Adorei o livro e o blog está muito bom. Parabéns.
ResponderExcluirLiana
Viva o Twitter. Li a postagem da Cris e vim correndo ler o blog. Parabéns para a escritora do blog e para o autor do livro que mereceu uma crônica tal maneira.
ResponderExcluir