domingo, 10 de julho de 2011

Vida inteligente ou vidas estúpidas independem da Geografia.


A propósito da visita ao Museu Dali, na Flórida
Por Memélia Moreira
Os snobs podem até não acreditar mas, existe, sim, vida inteligente nos Estados Unidos. E, para a perplexidade do grupo, um clube multinacional, essa vida inteligente vai além dos muros de Harvard. E também não se concentra apenas em Boston, Manhattan, Chicago ou Los Angeles. Até porque vida inteligente (e também as estúpidas), independe da Geografia. Digo isso porque, uma vez, quase me inscrevi no Clube dos Snobs. Mas Elia Kazan, Louis Armstrong, T.S. Elliot e John Steinbeck seguraram meu braço quando me preparava para assinar a ficha de inscrição.
Fachada já evoca a obra de Dali
Feita a confissão desse flerte com o esnobismo posso lhes garantir que até mesmo na Flórida, que não figura no roteiro de produção intelectual, pode-se viver momentos de puro deleite para o espírito. Cito dois para não me estender: o concerto de carrilhões em Lake Wales e o novo Museu Dali, em Saint-Petersburg. Antes que me esqueça, o clube muitas vezes torce o nariz quando se fala em Dali."Muito comercial", pontuam. 
Memélia e o marido Frank
Mas é do novo Dali Museum que vou contar porque lá estive e me encantei. Desde a inuaguração, em janeiro deste ano, planejava passar um dia em Saint-Petersburg que fica a exatos 120 km de Kissimmee, onde vivo.
SAUDADES DA RÚSSIA 
Além de uma viagem agradável, em estradas que nem de longe parecem terem sido construídas ou conservadas pelo DNIT, Saint-Petersburg foi plantada numa penísula que divide a Baía de Tampa do Golfo do México e em dias de sol explode num azul-cobalto que só Van Gogh e Frida Kahlo seriam capazes de reproduzir.
Cadeira do Café do Museu
A cidade tem 135 anos e leva esse nome porque seu fundador, Kanie Vladiskoviuch morria de saudades de sua Saint-Petrsburg natal, lá nas margens do rio Neva, na distante e gelada Russia dos eternos czares. E, talvez por influência de sua homônima, que abriga o Ermitage, o maior museu do mundo, Saint-Pete, como é carinhosamente chamada, sempre que pode, cria mais um museu. Nos seus 344 km quadrados (parte deles sob água), há escolhas variadas.
O Museu de Belas-Artes, que reúne peças de arte pré-colombiana, peças greco-romanas e arte européia dos séculos XIX e XX. Há ainda o Museu do Holocausto, o Internacional da Flórida, com suas exposições itinerantes e objetos pessoais da família Kennedy (é, os Kennedy igual á maioria dos seus conterrâneos sonha em se aposentar e viver na Flórida. E tem propriedades em Miami, Saint-Pete e outros balneários). Há também um "Museu da Criança" contando sobre as grandes conquistas da humanidade, além de muitas galerias de arte. E agora, a mais recente jóia da coroa, o novo Dali Museum (o antigo foi fundado em 1982) que se orgulha de contar com a maior coleção do pintor catalão Salvador Dali, colega de escola e amigo de nada menos do que do poeta Federico Garcia Llorca.
SALA DE CONTEMPLAÇÃO
Por mais que busque um outro adjetivo para classificar a arquitetura do Museu Dali, a primeira palavra que me vem é "estonteante". Se você não quiser (ou não tiver) os 20 dólares para pagar a entrada não se preocupe. Circule pela área externa. Há um lindo jardim, mesinhas do restaurante com suas belas cadeiras em acrílico, o labrinto, baseado em desenho de Dali e.... o museu, cercado de palmeiras.
Da prancheta de Waymouth saíu a construção em forma de um trapézio de concreto envolto em uma camada ondulada de vidro e aço. Sua estrutura é capaz de resistir a um furacão de categoria cinco, o que tranquiliza o visitante.  Tudo isso debruçado sobre o mar.
No térreo (considerado primeiro andar), estão o restaurante e a lojinha que vende reproduções dos trabalhos de Salvador Dali, além de camisetas, bolsas e até o famoso relógio derretido. O mesmo relógio tão presente nas obras do artista, que até parece ser uma obssessão com o tempo.
Quem resiste a uma lojinha de Museu?
No segundo andar, a biblioteca e, seguindo-se pela escada em espiral, chega-se a Dali, no terceiro andar.
E aí, situam-se duas galerias. Do lado esquerdo da escadaria, as obras mais famosas e também outras nem tão conhecidas. À direita da espiral-escada a galeria com as mais variadas manifestações de arte desse gênio que mais que um pintor, fez experimentos nas diferentes artes visuais. Além da pintura (e escultura), filmes (entre eles, "Le Chien Andalou", com o amigo e também genial Luís Buñuel, e "Destino", com Walt Disney) e até holografia, onde retrata sua alma gêmea na música, Alice Cooper. Se vivesse hoje Dali seria web design e estaria em frente a um computador brincando com o Simbolismo, Cubismo, Pontilhismo, Dadaísmo, Surrealismo e outras correntes que marcaram seu talento.
Lembraça do Dia de Dali, já na casa de Memélia
Nas duas galerias pode-se escolher entre admirar as obras num grupo com um guia ou pegar um gravador digital que descreve os quadros. Se você estiver frente ao gigantesco "Descobrimento da América" e este for o número 26, você digita o 26 e ouve as explicações necessárias. 
Quando você pensa já esteve em todos ambientes eis que uma placa informa: "Sala de Contemplação". Opa! Lá dentro, apenas um extenso banco de concreto, nada mais. Em frente....o mar, a contemplação do infinito.
BIGODES DE VELAZQUEZ
Da obra de Salvador Dali, o quê mais há a dizer? Ela já foi dissecada pelos experts. Mas ao ver o conjunto e até seus estudos tive consciência de que ele foi profundamente violentado pela II Guerra Mundial. Seu trabalho pós-horrores trazem imagens em sombra dos Cavaleiros do apocalipse, corações sangrando, olhos em pânico.
Dali
Também é marcante seu fascínio por Velázquez, de quem copiou os bigodes e a quem homenageou no quadro "Velázquez pintando a princesa Margarida com as luzes e sombras de sua própria glória". ´
O nome desse quadro de homenagem foi outra característica que me chamou atenção. Salvador Dali devia ter pena dos pobres mortais iguais a mim que, muitas vezes, diante de um quadro surrealista tem absoluta certeza de que admiram a Esfinge. E a qualquer momento podem ouvir a terrível frase "Decifra-me ou Devoro-te". Seus quadros Os quadros são auto-explicativos, com títulos extensos. Ele mesmo decifra e você o devora.
Velasquez
E de todos eles, um me fez passar mais tempo em admiração: "O Burocrata Comum". Uma figura que parece humana, sem cérebro, sem coração, olho distorcido. É a própria imagem do burocrata, um homem sem sonhos, sem, sentimentos, olhar vazio, o oposto desse artista retratou os sonhos, o irreal e transformou a vida numa performance.

Um comentário:

  1. Olá,
    Parabéns pelo trabalho nos posts...
    ainda não conhecia seu blog..
    grande abraço!

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