Cleusinha e Jorjão, feitos um para o outro
Por Clara Favilla
Quando a campainha da porta da frente tocou, ela estava completamente desprevenida: de meias porque tem pés frios, só de calcinha e uma camiseta desbeiçada. Cabelos que nem ninho de gatos. Não tinha tirado muito bem a maquiagem da noite anterior. Olheiras. Havia escovado os dentes? Não se lembrava. Havia acordado no maior bode.
De novo a campainha estridente. E naquele apartamento ainda não mandara instalar o maldito do olho mágico. Fingiu que não era com ela e foi pra cozinha tomar um copo d'água. Mas a campainha já disparava novamente. Quem fosse, lá fora, não desistiria fácil.
Com um fio de voz perguntou quem era. "Sou eu", foi a resposta.
Sou eu quem, perguntou ela, de novo, já com as mãos suando frio.
Um sonoro porra ecoou pelo corredor.
_ Porra, sou eu. Não reconhece, minha voz?"
Cleusinha coloca as mãos na cabeça:
_ Puta que o pariu! O que faz você a essa hora de manhã na minha porta . Morreu alguém? O que você quer?
_ O que eu quero? Tem graça uma pergunta dessa?
_ Não vou abrir a porta. Tô descabelada, nem tomei banho, nem café, nem nada... Nem me lembro do que aconteceu entre a gente na última vez que nos vimos. Nem sei como você chegou até o meu andar se nem a chave da portaria tem.
_ Esqueceu que o prédio tá em reforma? Que a portaria tá aberta? A última vez que nos vimos não foi no século passado, nem no mês passado. Foi ontem à tarde. E tô me lixando se você se lembra ou não. Eu me lembro e foi bom. Pra mim e pra você. E quero mais.
_ Cara, vai embora e avise com pelo menos uma hora de antecedência quando quiser passar por aqui novamente. Não tô a sua disposição.
A vizinha do lado abre a porta. É hora de levar o cachorro cego pra passear. Latidos finos, nervosos. Cleusinha se afoba. A vizinha não é flor que se cheire. Já implicou de mulher solteira, ela, ter alugado o apartamento ali, parede meia. Que diabo! Se adivinhasse essa aporrinhação teria dado o fora de casa mais cedo. Resolve, enfim, abrir a porta.
_ Já tava contando até três. Ainda bem que abriu, se não abrisse nunca, nunquinha ia mais me ver.
_ E eu tô preocupada com isso? Nem sei se teu nome é mesmo Jorjão, Jorge. Jorjinho. Nem vi tua carteira de identidade. Nem sei teu endereço, se trabalha onde mesmo que diz. Nem com quantas anda.
_ Mulher, corre que tô apressado. Preciso de café e cafuné.
_ Mas do que você, Senhor Encardido, precisa primeiro, indaga com a voz já incapaz de sustentar qualquer braveza.
_ E tem isso de primeiro e segundo? Quero tudo junto.
E Jorjão, o Encardido, dá um tranco por detrás na Cleusinha, a Descabelada. E vão engatados até a cozinha. Ele com a força e ela derretida.
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