Fins de outubro de 1982, ainda meio frio naquelas paragens da Zona da Mata mineira. Caminho pelo calçadão da Rua Halfed, em Juiz de Fora, ao encontro de uma amiga que Antonieta Goulart queria me apresentar. Tratava-se de gente importante, repórter da então Globo local que entrava até no Jornal Nacional. Mas eu, intoxicado pelas novidades de Nova York, de onde acabava de chegar, não estava muito interessado. Tudo me parecia acanhado demais, liliputiano mesmo. Até encontrar Valéria.
Tímido, me apresentei como um quase engenheiro que acabava de chegar de uma extraordinária aventura novaiorquina. “Também morei nos Estados Unidos, um intercâmbio na Califórnia”, respondeu. Essa foi a chave que abriu a porta dos domínios onde eu e ela fomos felizes e infelizes por quase trinta anos, quase sempre muito próximos.
Ao longo de todo esse tempo, nosso domínio mudou de domicílio. De BH para Londres e de lá para cá, o Rio, cidade que ela mais amava. E foi aqui que fomos mais felizes e loucos, mais loucos que felizes. Mas mesmo nos momentos de alegria, Valéria sempre demonstrava um certo incômodo. Em Londres reclamava muito da sisudez dos ingleses. No Rio, era a falta de civilidade generalizada que a exasperava. Tinha razão nos dois casos. Acho que Valéria não nasceu pra este mundo.
Mesmo assim, era capaz de uma ternura desmedida. Sabia fazer um amigo se sentir importante. Não tinha vergonha nenhuma de proclamar seus poucos amores. Gostava de receber em casa e sempre inventava uma desculpa pra não sair. Pra convencê-la a vir a minha casa, lançava mão de estratagemas às vezes trabalhosos. A última vez que tive sucesso foi quando cozinhei uma moqueca de camarão – que ela amava – e decretei: 'se você não vier eu fico com raiva'. Felizmente veio e foi a última vez que conversamos ainda sem nos darmos conta da ameaça permanente da morte.
Valéria faria hoje 59 anos. Por mais que já se tenha passado quase um ano e meio, ainda a vejo de relance nas ruas do Leblon. E num desses dias de sol escaldante acordei com vontade de ligar pra convidá-la prum chopinho na praia. Raramente ela se aventurava além do calçadão, mesmo porque, cumpridora da lei, não permitia que Pablo brincasse na areia.
Hoje vou ao Leblon no fim da tarde para homenageá-la. Era lá que ela passeava com o Pablo, companheiro de todas as horas. A saudade dói ainda muito forte, latejada como disse Chico. Continuo achando absurdo que ela não esteja aqui. Não entendo ainda essa partida tão prematura. Ainda não aprendi totalmente a lidar com a ausência dela. Talvez daqui um tempo a lembrança me faça companhia. Mas hoje ela ainda é um espeto fincado no coração.
Que texto maravilhoso e repleto de sentimento. Fiquei emocionada. Depois de um tempo sem publicação o Café & Veneno recebeu um presentão.
ResponderExcluirLindo, lindo demais. Parabéns ao autor.
ResponderExcluirAdoro quando a Cris Lopes me manda e-mail avisando que há novo post. Mais uma vez parabéns ao autor e ao Café & Veneno por publicar.
ResponderExcluirMuito bonito e que amor!
ResponderExcluirCris, mais uma vez obrigada por ter me enviado o texto por e-mail. Gostei demais da conta, sô! Beijos
ResponderExcluirEu que não conheci moça, fiquei muito triste. Que sensibilidade!
ResponderExcluirCarmem.
É bom quando a saudade lembra muitas coisas boas, triste a morte prematura e a dor da perda.
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